5 de nov. de 2012

Vida e Morte

 
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A recente descoberta do Evangelho de Tomé, precisamente em nosso tempo, foi um acontecimento singularmente providencial e sumamente oportuno.

Nunca esteve a humanidade ocidental tão ansiosa de auto-redenção como em nossos dias – e este Evangelho proclama a imperiosa necessidade de auto-conhecimento, que é o fundamento da auto-realização ou auto-redenção.

Os teólogos antigos falam em salvação, no sentido de uma alo-redenção, de uma salvação de fora do homem –  mas essas teologias estão em declínio, ao passo que a auto-redenção do Evangelho está numa gloriosa ascensão. Também os quatro Evangelhos segundo, Mateus, Marcos, Lucas e João, proclamam a verdade central da auto-redenção pela consciência e pela vivência do Cristo interno, a redenção pela mística e pela ética. Mas, em face do estado primitivo da humanidade, as teologias deram excessiva importância a diversos tipos de alo-redenção: 1) redenção por meio de objetos e fórmulas sacras, 2) redenção pelo sangue de um homem inocente.  Essa ideologia pagã-judaica de alo-redenção por fatores alheios e externos está sendo superada. Na alvorada do terceiro milênio, a elite espiritual da cristandade está despertando para a verdade central da mensagem do Cristo: a redenção do homem pelo Deus imanente, pelo Cristo interno, pelo divino autós da sua alma divina. No Evangelho do Cristo só consta a redenção ou realização do homem pela mística do primeiro e maior de todos os mandamentos, revelada pela ética do segundo mandamento; e nestes dois mandamentos se baseiam toda a lei e os profetas, a quintessência do Cristianismo. 

A redenção, segundo o Evangelho, está na consciência da paternidade única de Deus manifestada na vivência da fraternidade universal dos homens. A elite espiritual da cristandade do nosso tempo está redescobrindo esse tesouro oculto da mensagem do Cristo. O Cristianismo está proclamando a sua autonomia crística sobre a heteronomia de contágios alheios, que retardaram a sua evolução bi-milenar. Didymos Thomas não se cansa de frisar essa auto-redenção do homem pelo despertamento do Deus imanente. As crenças teológicas dos homens estão cedendo lugar à experiência crística de Deus.

Tomé, outrora o descrente no meio de crentes, revela-se hoje o pioneiro dos experientes para os inexperientes desejosos de experiência própria sobre o mistério de Deus no homem. No Evangelho de Tomé não aparece o menor indício de uma hierarquia eclesiástica nem hegemonia clerical. O Cristianismo primevo era uma fraternidade espiritual, uma espécie de democracia crística, e não uma monocracia hierárquica. Nada consta de uma primazia de Pedro; pelo contrário, Simão Pedro aparece numa luz assaz desfavorável, sobretudo no último capítulo 114, onde ele revela estranho pensar anti-feminista. No Evangelho de Tomé não há referência à transubstanciação nem ao poder de perdoar pecados conferido por Jesus aos seus discípulos. Tudo visa unicamente o despertamento do poder espiritual no homem.

 Os comentários aos 114 textos são exclusivamente nossos, que, em face do caráter misterioso do texto, comportam explicações várias, consoante a intuição espiritual dos leitores.

1 –  Quem descobrir o sentido destas palavras, não provará a morte.

Esta primeira palavra de Jesus referida por Tomé, logo revela o caráter místico do seu Evangelho. Os livros sacros usam a palavra “morte” tanto em sentido físico como metafísico; e aqui “morte” quer dizer a permanência no plano do ego humano, ignorando o Eu divino do homem; porquanto nenhum homem se imortaliza pela mentalização do seu ego, mas tão-somente pela transmentalização rumo a seu Eu, ao seu Atman, à sua Alma, que é o espírito de Deus em forma individual.

Já no livro do Gênesis, a palavra “morte” é usada em sentido metafísico, quando os Elohim, as potências divinas, dizem a Adão: “Se comeres do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (do ego), logo morrerás”. Adão comeu desse fruto e viveu ainda diversos séculos. O texto não se refere à morte do corpo físico, mas sim à morte pelo ego mental: O homem, pelo despertamento da ego-consciência,  permanece no plano da mortalidade.

Somente subindo ao plano superior da “árvore da vida” é que ele entrará na  imortalidade. O homem pode mortalizar-se, e pode também imortalizar-se. A serpente do Gênesis simboliza o ego mortal, o poder que esmagará a cabeçada serpente representa o Eu imortal. Esse processo evolutivo do ego-mortal para o Eu-imortal, vai através de todos os livros sacros. O próprio Cristo se identifica com o Eu-imortal quando se compara à “serpente erguida às alturas”,  que preserva da morte os que haviam sido mordidos pelas serpentes rastejantes do ego humano. Na Filosofia Oriental, aparece a palavra kundalini , cujo radical kundala, significa serpente, símbolo da energia cósmica. A kundalini  dormente no chackra inferior da coluna vertebral representa o subconsciente do homem primitivo; quando ela desperta e rasteja horizontalmente, entra o homem na zona do ego-consciente; e, quando kundalini se verticaliza e atinge as alturas, então entra o homem no mundo do cosmo-consciente, onde ele se imortaliza. O homem é potencialmente imortal, ou imortalizável, mas não é atualmente imortal; se assim fosse, não poderia sucumbir à morte metafísica. 

A imortalização, ou imortalidade atual, é a conquista suprema da consciênciacosmo- crística do homem. Nesse sentido afirma o Evangelho: “A tal ponto amou Deus o mundo que lhe enviou seu filho unigênito, para que todos aqueles que com ele tenham fidelidade não pereçam, mas tenham a vida eterna”.

Também a história do filho pródigo usa a palavra “morto” em sentido  metafísico: O pai daquele jovem diz que seu filho estava morto e reviveu, estava no ego e passou para o Eu. E toda a subsequente alegria e solenidade só se compreende quando se sabe que simboliza a apoteose de um ser humano que se auto-realizou, passando da ego-consciência mortal para a Eu-consciência imortal. Também no caso do discípulo que queria sepultar seu pai antes de atender ao convite de Jesus, o Mestre usa a palavra “morte” em dois sentidos, físico e metafísico: “Deixa os (espiritualmente) mortos sepultar os seus (fisicamente) mortos”.

O Credo Apostólico afirma que o Cristo julgará os vivos e os mortos, isto é, os que vivem na cosmo-consciência e os que ainda rastejam na ego-consciência. Tomé refere as palavras do Cristo divino proferidas através do veículo da  personalidade humana de Jesus: “Quem descobrir o sentido destas palavras não provará a morte”, quem compreender pela intuição o sentido profundo das palavras deste Evangelho, esse não ficará no plano do ego humano, mas se imortalizará pela consciência do Eu divino. Compreender não é inteligir, entender, mas é saber ou saborear com todas as potências do espírito. Essa sapiência, ou saboreamento espiritual, só acontece ao homem quando ele se abre rumo ao Infinito em cosmo-meditação, em Cristo-conscientização. A verdadeira meditação é uma invasão Cristo-cósmica na alma do homem. Enquanto o homem é ego-pensante, nada de grande lhe acontece; mas, quando ele se torna cosmo-pensado, cosmo-agido, cosmo-vivido, então lhe acontece a invasão cósmica do espírito de Deus, que resolve todos os problemas da vida terrestre e introduz o homem na vida verdadeira. Nesta primeira palavra do seu Evangelho, Tomé já antecipa uma verdadeira síntese de todas as verdades seguintes. E, à luz dessa intuição mística, indigitou ele o caráter fundamental da sua mensagem. A tal ponto Tomé descreu no princípio que, por fim, ultrapassou todo o descrer e também todo o crer e atingiu as culminâncias de um saber e saborear crístico.

 

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