47 - Disse Jesus: é impossível para um homem montar dois cavalos e retezar
dois arcos, e é impossível a um escravo servir a dois senhores, pois que
honrará a um e ofenderá a outro. Nenhum homem bebe um vinho velho e em
seguida deseja beber um vinho novo; e não se põe vinho novo em odre
velho, para que não se o quebre, e não se põe vinho velho em odre novo,
para que não se o estrague. Não se cose um remendo de pano velho em
roupa nova, porque se tornará um buraco.
Nestas palavras de Jesus, referidas também por outros evangelistas, frisa o Mestre a unidade essencial do homem a despeito das suas diversidades existenciais.
Montar em dois cavalos, tender dois arcos ao mesmo tempo, servir a dois senhores – são coisas tão impossíveis como o homem manter a sua unidade interna e não agir de acordo com essa unidade do seu ser.
Essas palavras frisam pois, mais uma vez, a absoluta necessidade do monismo essencial do homem, não obstante todos os seus pluralismos existenciais; focalizam o homem univérsico, que, apesar de ter de agir diariamente na pluralidade diversitária de fora, deve conservar a sua unidade de dentro.
Mas, como pode o homem-ego dispersivo manter a unidade do homem-Eu concentrativo?
Bebendo e inebriando-se a tal ponto do “vinho velho” da verdade divina que nenhum “vinho novo” de facticidades humanas o possam desviar do caminho reto da sua experiência profunda, a despeito de todos os zigue-zagues das novidades de cada dia. O “vinho velho” do Eu divino deve eclipsar todos os “vinhos novos” do ego humano.
Mas, para que isto seja possível, deve o homem inebriar-se totalmente do espírito do vinho da Eterna Divindade, como os discípulos de Jesus no primeiro Pentecostes, chamados bêbados pelo povo ignorante. Deveras, o homem que se inebria de Deus parece ser um bêbado aos olhos do mundo, um louco aos olhos dos “sensatos” da mediocridade dominante.
Entretanto, como diz Paulo, “a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força dos homens”.
Quem saboreou o vinho velho de Deus não tem desejos dos vinhos novos dos homens.
Tão grande deve ser o centripetismo convergente da unidade do nosso Ser que todos os centrifuguismos divergentes da nossa diversidade de agir não eclipsem aquilo.
Lao-Tse insiste no agir pelo não agir, no agir pelo Ser.
Mahatma Gandhi foi acusado de ser incoerente na sua política com os ingleses na Índia, e respondeu: “Sou incoerente – por amor à minha coerência.”.
O homem totalmente unificado na consciência do seu Ser pode ser diversificado na vivência do seu agir, e, contudo, todos sentem a harmonia cósmica desse homem.
O profano é como argila, que não tem forma certa.
O místico é como cristal, com faces e arestas rigorosamente definidas, duras e inflexíveis.
O homem cósmico é como mola de aço, dura e flexível ao mesmo tempo – inflexível unidade com flexível diversidade.
E não era o próprio Cristo esse homem universificado?
"Pois vontade pura, desaliviada de propósito, livre da ânsia de resultado, é de todo perfeita." (AL I, 43-44)
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