2 de ago. de 2012

Aventais de Folhas de Figueira




Mirdad:

Já ouvistes falar do Pecado, e agora deveis saber como o Homem se tornou pecador.

E declarais -não sem mérito -que se o Homem, a imagem e semelhança de Deus, é pecador, então Deus mesmo deve ser a origem do Pecado. Existe aí uma armadilha para o desavisado; e eu não quero, companheiros, que sejais presos na armadilha. Por isso vou retirá-la do vosso caminho, para que possais também retirá-la dos caminhos dos homens.

Não há pecado em Deus, a não ser que consideremos pecado dar o Sol algo de sua luz a uma vela. Nem há pecado no Homem, a não ser que consideremos pecados queimar-se uma vela inteiramente no Sol e assim juntar-se ao Sol,

Há, porém, pecado na vela que se recusa a ceder a sua luz e que, quando se aplica o fósforo a seu pavio, amaldiçoa o fósforo e a mão que a segura. Há pecado na vela que tem vergonha de se queimar no Sol e que, por isso, se oculta do Sol.

O Homem não pecou por desobedecer à Lei, mas por querer encobrir a sua ignorância da Lei.

Sim! Há pecado no avental de folha de figueira.

Não lestes a história da queda do Homem, tão simples e ingênua nas palavras, porém tão sublime e sutil no seu significado? Não lestes como o Homem, recém saído do seio de Deus, era como um Deus recém-nascido passivo, inerte, não criador? Isso porque, embora dotado de todos os atributos da divindade, era, como todos os recém-nascidos, incapaz de conhecer e de exercitar as suas infinitas capacidades e talentos.

Como uma semente solitária encerrada em belíssimo frasco, achava-se o Homem no Jardim do Éden. A semente, encerrada em um frasco, permanecerá semente, e jamais as maravilhas que nela se acham encerradas, debaixo da casca, serão estimuladas para a vida e a luz, a não ser que seja escondida num solo análogo à sua natureza e que a casca seja rompida.

O Homem, porém, não possuía solo algum que lhe fosse análogo onde pudesse plantar-se e brotar.

A sua face jamais encontrara outra face na qual pudesse refletir-se. Era um ouvido humano que jamais ouvira outra voz humana. Era uma voz humana que jamais tivera eco em outra voz humana. Seu coração batia solitário.

Solitário, inteiramente solitário, encontrava-se o Homem, em meio a um mundo bem aparelhado e lançado ao seu destino. Era um estranho para consigo mesmo; não tinha trabalho a executar nem plano a seguir. O Éden, para ele, era o que é para o recém-nascido um berço confortável um estado de bem-aventurança passiva; uma incubadeira bem aparelhada.

A árvore do conhecimento do Bem e do Mal e a árvore da Vida estavam, ambas, ao seu alcance; ele,porém, não estendia a mão para colher e provar dos seus frutos, pois o seu paladar, os seus pensamentos, os seus desejos e até mesmo a sua vida estavam todos encerrados nele mesmo, esperando para serem vagarosamente libertos. E ele, por si mesmo, não os podia libertar. Conseqüentemente, fez-se com que ele produzisse um auxiliar para si, a mão que o ajudasse a desatar seus muitos envoltórios.

Onde melhor se poderia obter este auxílio senão no seu próprio ser, tão rico devido à sua alta potência em divindade? Isto é muito significativo.

Eva não é novo pó nem novo alento; mas o mesmo pó e o mesmo alento de Adão ossos dos seus ossos e, carne da sua carne. Não surge outra criatura em cena; mas o mesmo Adão solitário e duplicado um Adão- masculino e um Adão-feminino.

Assim, o rosto solitário e sem reflexo obtém uma companhia e um espelho; e o nome, sem eco em nenhuma voz humana, principia a reverberar em doces estribilhos, acima e abaixo pelas alamedas do Éden. O coração, cujo palpitar solitário era abafado num peito solitário, principia a sentir o seu pulso e a ouvir sua palpitação em um coração companheiro e num peito companheiro.

Assim o aço, sem faíscas, encontra o sílex que o fará emitir faíscas em abundância. Assim à vela, que não havia sido acesa, é acesa em ambas as pontas.

Uma é a vela, um é o pavio e uma a luz, embora venha de ambas as pontas. Assim, a semente no frasco encontra o solo onde possa germinar e revela os seus mistérios.

Assim a Unidade, inconsciente de si mesma, obtém Dualidade, para que, por meio da fricção e da oposição da Dualidade, possa compreender a sua unidade. Nisso também o Homem é a fiel imagem e semelhança de Deus, pois Deus -a Consciência Original -projeta de Si a Palavra, e tanto a Palavra como a Consciência são unificadas na Sagrada Compreensão.

Não é um castigo a Dualidade, mas um processo inerente à natureza da Unidade e necessário para o desenvolvimento da sua divindade. Como é infantil pensar de outro modo! Como é infantil acreditar que um processo, tão maravilhoso, possa terminar o seu curso em três vintenas de anos mais dez, ou mesmo em três vintenas de milhões de anos!

E tão pouco importante assim tornar-se um deus?

Será Deus um amo assim tão cruel e miserável que, tendo toda a eternidade para presentear, não concedesse ao Homem mais do que o pequenino espaço de tempo de setenta anos para que este se unificasse e readquirisse o Éden, inteiramente consciente da sua divin dade e da sua unidade com Deus?

E longo o curso da Dualidade, e tolos são aqueles que o medem com calendários. A Eternidade não se mede pelas revoluções das estrelas.

Quando Adão, o passivo, o inerte, o não criador, foi tornado duplo, ele, conseqüentemente, se tornou ativo, cheio de movimento e capaz de criar e procriar-se.

Qual foi o primeiro ato de Adão depois de se tornar duplo? Foi comer da árvore do conhecimento do Bem e do Mal e, desse modo, fazer todo este mundo duplo como ele. As coisas deixaram de ser como haviam sido: inocentes e indiferentes. Estas se torna- ram boas ou más, úteis ou prejudiciais, agradáveis ou desagradáveis; tornaram-se dois campos opostos, ao passo que antes eram um.

E a serpente que enganou Eva, para que provasse o Bem e o Mal, não era a profunda voz ativa, embora inexperiente, da Dualidade, estimulando-se para a ação e a experiência?

Não admira que Eva fosse a primeira a ouvir essa voz e a ela obedecer. Eva era como se fosse a pedra de afiar, o instrumento destinado a tornar manifestos os poderes latentes do seu companheiro.

Não estivestes vós, já muitas vezes, a imaginar esta primeira Mulher, da primeira história humana, caminhando, furtivamente, por entre as árvores do Éden, com os nervos à flor da pele, com o coração palpitando como o de um pássaro que caiu na armadilha, com os olhos a procurar por todos os lados se alguém a estava observando, com a boca úmida e a mão trêmula estendida para a fruta? Não tendes suspendido a respiração, ao imaginardes que ela apanhou a fruta e fincou os dentes na polpa macia, para sentir-lhe momentaneamente a doçura, que se teria de transformar em amargura eterna para ela e sua prole? Não tendes desejado, de todo o coração, que Deus paralisasse a audácia louca de Eva, aparecendo-lhe no momento exato, em que ela estava para cometer aquela ação estouvada, e não de pois, como Ele o faz na lenda? E tendo ela cometido aquele ato, não tendes desejado que Adão tivesse a sabedoria e a coragem de abster-se de se tornar o seu cúmplice?

No entanto, nem Deus interveio, nem Adão se absteve. Isso porque Deus não queria que sua semelhança se lhe tornasse dessemelhante. Era Sua vontade e Seu plano que o Homem caminhasse o longo caminho da Dualidade a fim de desenvolver sua própria vontade, planejar e unificar-se pela Compreensão. Quanto a Adão, ele não poderia, mesmo que quisesse, rejeitar o fruto que lhe era oferecido por sua esposa. Era-lhe obrigatório comê-lo, simplesmente porque sua esposa havia comido dele, pois ambos eram uma carne, e cadaqual era responsável pelos atos do outro.

Indignou-se e irou-se Deus porque o Homem comeu o fruto do Bem e do Mal? Deus o proibira. E o fez porque sabia que o Homem não podia deixar de comer, e Ele queria que o Homem o comesse; queria também que o Homem soubesse antecipadamente as conseqüências de comê-lo e tivesse a coragem de arcar com tais conseqüências. E o Homem teve coragem. E o Homem comeu. E o Homem arcou com as conseqüências.

A conseqüência foi a Morte. Ao se tornar ativa- mente Dual pela vontade de Deus, morreu para a unidade passiva. Logo, a Morte não é um castigo, mas uma fase na vida inerente à Dualidade. A natureza da Dualidade é tornar todas as coisas duais e dar a tudo uma sombra. Assim Adão adquiriu a sua sombra em Eva, e ambos obtiveram, em suas vidas, uma sombra chamada Morte; mas Adão e Eva, embora sombreados pela Morte, continuam a ter uma vida sem sombras na vida de Deus.

A Dualidade é uma fricção constante; e a fricção dá a ilusão de duas superfícies que se opõem, inclinadas à autodestruição. Realmente estão se completando, preenchendo e trabalhando de mãos dadas por um só objetivo: a paz perfeita, a unidade e o equilíbrio da Sagrada Compreensão. A ilusão, porém, está enraizada nos sentidos e persiste, enquanto estes persistem.

Eis por que Adão respondeu a Deus, quando Deus o chamou, depois de os seus olhos terem sido abertos: ""Eu ouvi a tua voz no jardim, e eu tive medo porque eu estava nu e eu me escondi". Como também "a mulher que tu me deste para minha Companheira, ela me deu do fruto da árvore, e eu o comi ".

Eva não era mais do que carne e ossos de Adão. Pensai, porém, neste novo eu de Adão, o qual, depois de os seus olhos terem sido abertos “principiou a se ver como algo diferente, separado e independente de Eva, de Deus e de toda a criatura de Deus”.

Este eu era uma ilusão. Uma ilusão dos olhos recém-abertos, era esta personalidade desligada de Deus.

Não tinha substância nem realidade. Havia sido criada para que, após a sua morte, o Homem pudesse conhecer o seu Ser real, que é o Ser de Deus. Este eu falso desaparecerá quando os olhos externos se apagarem, e o olho interno for iluminado. Embora isto deixasse Adão confuso, servia para estimular a sua mente e espicaçar a sua imaginação. Ter um eu que se possa considerar inteiramente pessoal é verdadeiramente muito lisonjeiro e tentador para o Homem, que não é consciente de nenhum eu.

E Adão foi tentado e lisonjeado pelo seu eu ilusório. Embora estivesse envergonhado dele, por ser muito irreal ou nu, dele não queria separar-se; ao contrário, agarrava-se a ele de todo o coração e com toda a sua engenhosidade recém-nascida. Por isso costurou folhas de figueira e fez para si um avental, com que escondesse a nudez da sua personalidade, tentando conservar- se oculto da vista Onipenetrante de Deus.

Desse modo o Éden, o estado de bem-aventurada inocência, a unicidade inconsciente de si mesma, caiu do Homem dual, revestido de aventais de folhas de figueira; e espadas de fogo foram postas entre ele e a Arvore da Vida.

O Homem saiu do Éden pelo duplo portão do Bem e do Mal; a ele voltará pelo portão singelo da Compreensão. Retirou-se dando as costas à Arvore da Vida; voltará com o rosto voltado para essa Arvore. Inicioua sua longa e penosa viagem, envergonhado da sua nudez, e tendo o cuidado de esconder a sua vergonha; chegará ao fim da sua viagem com a sua pureza sem aventais e o coração ufano da sua nudez.

Isso, porém, não se dará enquanto o Homem não seja, pelo Pecado, liberto do Pecado, pois o Pecado será a própria ruína do Pecado. E onde está o Pecado senão no avental de folhas de figueira?

Sim, o Pecado nada mais é do que a barreira que o Homem coloca entre ele próprio e Deus -entre o seu eu transitório e o seu Eu eterno.

A princípio, um punhado de folhas de figueira, essa barreira veio a tornar-se um poderoso baluarte. Desde o momento em que abandonou a inocência do Éden, o Homem tem estado ocupadíssimo em reunir cada vez mais folhas de figueira e a costurar um sem número de aventais.

Os indolentes se satisfazem em remendar os rasgões dos seus aventais com os trapos abandonados pelos seus próximos mais trabalhadores; e cada remendo na indumentária do Pecado é pecado, pois tende a perpetuar a vergonha, que foi o primeiro e pungente senti mento que o Homem teve após separar-se de Deus.

Está o Homem fazendo algo para livrar-se desta vergonha? Não! Todo o seu esforço é vergonha sobre vergonha, aventais sobre aventais.

Que são as artes e a instrução do Homem, senão folhas de figueira?

Seus impérios, nações, segregações raciais e religiões, na vereda da guerra, não são cultos de adoração à folha de figueira?

Seus códigos do bem e do mal, de honra e desonra, de justiça e de injustiça; seus incontáveis credos sociais e suas convenções, que são, senão aventais de folhas de figueira?

O seu avaliar o inavaliável, e medir o imensurável, e padronizar aquilo que está além do padronizável, não é remendar a já ultra-remendada tanga?

A sua avidez pelos prazeres que estão pejados de sofrimento; a sua ambição pelas riquezas que empobrecem; a sua sede pelo mestrado que subjuga; a sua cobiça pela grandeza que achincalha não são todas essas coisas aventais de folhas de figueira?

Nesta corrida patética para cobrir a sua nudez, o Homem vestiu um grande número de aventais que, no correr dos anos, agarraram-se tão fortemente à sua pele, que ele já não distingue os aventais da sua pele. E o Homem se sente sufocado, e clama por quem o liberte de tantas peles. No entanto, em seu delírio, o Homem tudo faz para ser liberto de sua carga, menos aquilo que o poderia aliviar e que seria atirar fora essa carga. Ele quer libertar-se de sua carga e se agarra a ela com todas as suas forças. Deseja estar nu e, no entanto, se mantém completamente vestido.

E chegada a hora de se despir, e eu vim para vos auxiliar a lançar fora as vossas peles desnecessárias - vossos aventais de folhas de figueira -para que assim possais também auxiliar a todos aqueles que anseiam por se verem livres dos seus. Eu só ensino como fazê-la, mas cada qual terá de se livrar dos seus, por mais doloroso que lhe seja o despir-se.

Não espereis por nenhum milagre que vos salve de vós próprios, nem receeis a dor; a Compreensão nua converterá a vossa dor em um perene êxtase de alegria.

Se vós enfrentardes a vós próprios, na nudez da Compreensão, e se Deus vos chamar e perguntar: "Onde estais?" não vos envergonheis, nem temais, nem vos oculteis de Deus, mas, ao contrário, deveis permanecer firmes, sem receio e divinamente calmos, respondendo a Deus:

“Eis-nos aqui, Deus nossa alma, nosso ser, nosso único eu. Envergonhados, medrosos e sofrendo dores, caminhamos pela áspera e tortuosa vereda do Bem e do Mal que Tu nos apontastes na aurora do Tempo. A Grande Nostalgia apressou os nossos passos, e a Fé sustentou os nossos corações, e agora a Compreensão nos libertou das nossas cargas, curaram as nossas feridas e nos trouxe de volta à Tua Santa Presença, nus do Bem e do Mal, da Vida e da Morte; nus de todas as ilusões da Dualidade, nus exceto do manto do vosso Ser que tudo envolve. Sem folhas de figueira para esconder a nossa nudez, aqui estamos diante de Ti, livres da vergonha, iluminados e sem temor. Vede, estamos unificados. Vede, nós vencemos

E Deus vos abraçará, com infinito Amor, e vos levará diretamente à Sua Arvore da Vida.

Assim ensinei eu a Noé.

Assim agora eu vos ensino.

Noronda: Também isso nos foi dito pelo Mestre à volta do braseiro.


 
 

7 comentários:

  1. Bom dia


    Estamos iniciando a ideia de um programa via youtube sobre o ocultismo. Gravamos o piloto na semana passada, entrevistando um dos fundadores do Círculo Iniciático de Hermes. A entrevista ficou ótima e tivemos 1300 acessos até o momento.
    É uma boa forma de cativar o público atual que procura por um tipo de conhecimento específico, em mídias cada vez mais velozes e interativas, para só então decidir se deve ou não se aprofundar mais lendo.
    Com essa ideia buscamos transmitir outras formas de conhecimento filosófico bem como sistemas de crença.
    Abaixo segue o link do nosso primeiro programa.
    http://www.youtube.com/watch?v=Qlu_MPVZOPw

    O que gostaríamos de saber é se existe a possibilidade de você nos conceder uma entrevista em um bate papo sobre sua filosofia, psicologia e magia. O nosso único requerimento é possuir um computador com webcam e internet rápida.

    Por favor, se estiver interessado nos retorne um email que entraremos em contato para agendar.

    notriangulo@gmail.com

    Grato pela atenção,

    João C H S Freitas

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    1. Oi João, assisti o programa uns dias atrás... muito bom...
      vou te mandar o e-mail, ok... obrigado pelo convite.

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  2. Eu venho pedir a você - sentiria-se bem em ser meu mentor espiritual?

    Eu já li tudo que podia. Não quero acumular teorias já que hoje sou somente espirito. Escolhi você pelo seu conhecimento e sua ajuda que recebi até aqui.

    Alexandre.

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    1. Alexandre, relaxa... Não tem nenhum santo aqui não... apenas leia os textos e reflita, sem maiores expectativas.
      Um grande abraço...

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  3. me perdoe a afobação, baixei o Livro de Mirdad e acredito que um pouco mais de leitura não vá me fazer surtar.

    Perdoe a c.

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    1. Estamos todos no mesmo barco... apenas compartilho aquilo que acho essencial, o conhecimento não é meu... e não tenho nada a perdoar, pelo contrário, apenas te agradecer pela leitura e que possamos todos juntos aprender um com o outro...

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