6 de jan. de 2012

Jung e a Experiência de Deus

PREFÁCIO, de Carl Gustav Jung, o célebre psiquiatra conhecido em todo mundo, ao livro ‘Introdução ao Zen-Budismo’, de D. T. Suzuki.

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Tentar explicar o satori (iluminação, a Verdade, o encontro com Deus, samadhi, nirvana, consciência crística ou búdica, consciência cósmica, reino de Deus, Deus, Cristo, Buda) é inútil. Para alguns é a percepção da verdadeira natureza do ser; o consciente livra-se da ilusória (falsa) idéia de um ‘eu’ que tem existência própria e separada no tempo e que temos de defender contra os demais ‘eus’. Essa ilusão referente à natureza do ser é a confusão que todos fazem do ‘ego’ com o ‘ser’. Ser é a consciência total, absoluta, cósmica, o Cristo, o Buda, o reino dos céus, Deus. O ego é apenas um feixe de ilusões, repleto de lembranças, expectativas e interpretações erradas das coisas do mundo.

Quando pensamos que há algo de bom em nós, isso vem da ilusão de que possuímos alguma coisa, de que possuímos bondade, de que somos bons, mas, isso é sinal de imperfeição e insensatez. Fôssemos nós conscientes da verdade, saberíamos que não somos bons, que o bem não vem de nós. Por isso, o iluminado diz:

‘Que pobre tolo eu era! Estava na ilusão de que eu era isto ou aquilo: agora vejo que isto ou aquilo é Deus’.

O satori é uma ruptura da consciência condicionada, apenas limitada ao ego, repleta de ilusões, impurezas, de todo lixo mental ali depositado pelos costumes, tradições, culturas, suposições e crenças durante toda nossa vida. O satori faz com que a consciência adquira a forma de consciência ilimitada, infinita, de não-eu, não-ego, pura como é o ser. Jesus diz no seu sermão: ‘Bem-aventurados os pobres de espírito’, isto é, aqueles que perderam seu ego, sua ‘personalidade’, pois, agora, têm ‘a’ de Deus. Por isso, bem-aventurados. O satori é o reconhecimento de nossa face original, o homem antes de ser criatura (o espírito antes de ser homem), o reconhecimento, a percepção da verdade de que ‘eu sou’. 
Exceto alguns místicos ocidentais, parece, numa visão superficial, que, no Ocidente, nada há que possa ser comparado ao satori. Da prática (da meditação) surge um novo estado de consciência que não é influenciado pelas coisas externas. Daí brota uma consciência vazia, pura, que permanece aberta a outra influência. Essa influência não será mais sentida como a própria atividade da mente, do ego, do ‘eu’, e sim como o trabalho do não-ego, do ser absoluto, que tem a consciência como seu objeto. É como se o ego fosse invadido por um sujeito (a Subjetividade Absoluta, Deus) que tivesse tomado o seu lugar, o seu controle. Como disse Paulo: ‘Não sou mais eu que vivo, mas o Cristo é que vive em mim’.

Quando isso ocorre, aparece em cena um homem completamente transformado, um homem ‘renascido’, um ‘novo homem’.

O Zen difere de todas as outras práticas de meditação em virtude do ‘koan’ que rejeita qualquer resposta lógica. O próprio Buda é rejeitado por ser apenas uma imagem, um símbolo, um rótulo. Nada deve interferir a não ser o que realmente está lá, isto é, o homem com suas completas, mas inconscientes, suposições, ilusões, crenças, condicionamentos, dos quais, por ser inconsciente, não pode se libertar.

Na experiência maravilhosa da iluminação, a resposta parece surgir do vácuo como ‘da superfície do lago, salta, repentinamente, um peixe’. O inconsciente é a soma de todos os fatores psíquicos que estão fora da percepção consciente. Ele representa a totalidade de onde a consciência, aos poucos, arranca fragmentos. Caso a consciência seja esvaziada de todos seus conteúdos, cairá num estado de inconsciência total (um vazio, no qual, se  perseverar, nasce um estado indizível e ilimitado de consciência). Isso é obtido no Zen como regra, porque a energia do ser consciente é, pela prática, retirada dos conteúdos mentais (que sempre a iludem e onde sempre está) e se transfere para uma concepção de vazio. Aí, a concepção de imagens, pensamentos, ilusões, cessa e poderá vir a se produzir a tensão máxima que permitirá a final eclosão dos conteúdos inconscientes no consciente.

Os conteúdos mentais que afloram não são, em absoluto, inespecíficos. A experiência psiquiátrica com a loucura mostra que existem relações peculiares entre os conteúdos do inconsciente e as imagens e delírios que afloram ao consciente. São as mesmas relações que existem entre os sonhos e a consciência comum em todos os homens ditos ‘normais’.

Ali está um ‘quarto de despejo’, de segredos inconfessáveis semi-esquecidos. O inconsciente é a matriz de todas as concepções metafísicas, mitológicas e filosóficas, de todas as idéias acerca da vida que estão baseadas em premissas psicológicas (suposições, crenças). Cada invasão do consciente no inconsciente é uma resposta a uma condição definida do consciente, e esta resposta vem da totalidade das idéias-possibilidades que estão armazenadas no inconsciente. A divisão em unidades, a fragmentação dessa totalidade, é produzida pela consciência localizada (a consciência individual, condicionada), pois essa é sua natureza.
A reação conseqüente ao satori sempre tem um caráter total, pois reflete uma natureza que não foi dividida por qualquer consciência discriminativa; é, agora, uma consciência indivisa, integral, absoluta. Por isso seu efeito é avassalador. É uma resposta inesperada, total e completamente esclarecedora desde o momento em que o consciente se encontra num beco sem saída, em que não encontra resposta alguma para suas perguntas mais profundas.

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Cena de Matrix Reloaded - Neo encontra o Arquiteto (Mente)
Quando, após dura prática e enérgica destruição da compreensão racional, lógica, o devoto Zen recebe uma resposta da natureza – a única resposta verdadeira -, tudo que foi dito sobre o satori poderá ser compreendido. Cada um verá, por si mesmo, que são a simplicidade e a naturalidade da resposta que chocam; que envolvemos a verdade simples e pura, com a construção, sobre e em torno dela, de uma vasta estrutura de suposições, ilusões e crenças que, agora, são destruídas totalmente.

Embora o valor imenso do Zen para a compreensão do processo religioso transformador, sua prática entre os ocidentais é muito problemática. No Ocidente não existe uma educação mental (cultural) para o Zen. Quem, dentre os ocidentais, confiará nas atitudes incompreensíveis de um roshi (mestre zen)? Isso só é encontrado no Oriente. Quem poderá crer numa transformação ilimitada da mente humana e está disposto, para isso, a sacrificar anos de vida no trabalho da busca? No Ocidente houve quem se submetesse a tudo isso para alcançar o satori, mas se mantém em silêncio, não por timidez, mas por saber que é inútil qualquer tentativa de transmitir a experiência aos outros (‘vi e ouvi coisas inefáveis’, como disse Paulo).

Em nossa civilização ocidental nada há que incentive essas aspirações, nem mesmo a igreja cristã, que se julga a única guardiã dos valores religiosos. O único movimento dentro da civilização ocidental que tem, ou deveria ter, algum entendimento dessas tentativas é a psicoterapia. Não é por acaso que um psicoterapeuta está escrevendo este prefácio.

O psicoterapeuta, seriamente interessado no resultado de sua terapia, não pode ficar insensível quando vê o objetivo do método oriental de cura psíquica. Seu objetivo é ‘reconstruir o todo’ em face da fragmentação produzida pelo consciente racional (ego).
No Ocidente, nessa luta de cerca de dois mil anos, foram desenvolvidos métodos e doutrinas que simplesmente obscurecem as tentativas dos ocidentais a esse respeito. Nossas tentativas têm, com poucas exceções, descambado para a magia e cultos dos mistérios, entre os quais, forçosamente, está o Cristianismo. A igreja, com seus dogmas e fantasias, embaraçou seus fiéis num mundo de crenças sem nexo e imagens confusas. Não é a boa intenção, a imitação da vida dos ‘santos’ (o amor, a caridade), nem as acrobacias intelectuais (raciocínio, imaginação), que conduzem à reconstrução do todo e, sim, a cessação do ego.

Se o homem for escravo de sua crença quase biológica, sempre tentará reduzir o que observa a algo banal, trazendo suas experiências até a um denominador racional que só agrada indivíduos que se satisfazem com ilusões. Se o psicoterapeuta reflete um pouco a esse respeito, poderá entender como são vazias, sem importância e contrárias à vida, todas as reduções racionalísticas que versam sobre algo que está vivo e em desenvolvimento. E poderá ter idéia do que significa ‘abrir as portas pelas quais alguém poderá escapar satisfeito e completo’ (João da Cruz?). (Jesus: ‘… tudo mais virá por acréscimo’ e ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).
Não quero dar conselhos, mas, quando os ocidentais começam a falar do Zen, considero meu dever mostrar onde está a entrada para o caminho que conduz ao satori (iluminação). E quais as dificuldades que juncam esse caminho, somente trilhado por uns poucos grandes homens, que são como faróis, numa alta montanha, brilhando, lá, do enevoado futuro.

Para uma experiência completa não há nada mais barato que o Todo. Para isso é preciso uma expansão indefinida da consciência. Não existem condições fáceis, nem substitutivos. O Zen mostra quanto significa, para o Oriente, o ‘tornar-se integral’, o tornar-se um Todo, uma mente só, indivisa.


A preocupação com os enigmas do Zen pode, ou fazer o ocidental sem força de vontade desistir, ou dar-lhe óculos para sua miopia, de modo que, através da escuridão, possa ter, ao menos, um vislumbre do mundo da experiência mística. O Zen não tem complicadas técnicas como as da yoga (hinduísmo), que dão ao ocidental, falsas esperanças de que a luz pode ser conquistada pelo ato de sentar e respirar. Ao contrário, exige inteligência e força de vontade, como o exigem todas as grandes coisas que desejamos tornar reais. 

PALAVRAS DE JUNG:

http://jungquotes.com/wp-content/uploads/2011/03/jung-stone.jpg        A MENTE É DEUS:

       “O atentar para a Mente intemporal é tarefa redentora para todas as pessoas. Em nosso tempo, essa tarefa é particularmente difícil porque colocamos, no dia-a-dia, nossa ênfase no aqui-agora, no fazer, no consumir, nos aspectos práticos, no progresso material. Como valorizamos o aspecto material, estamos separados dela. O resultado é patológico: tornamo-nos vítimas de nossos próprios impulsos inconscientes e o mundo ‘demonizou-se’. Nossa verdadeira tarefa de vida é exatamente o contrário: tornarmo-nos conscientes dos conteúdos que emergem do inconsciente, criar cada vez mais consciência; esse o objetivo único da existência humana:... acender uma luz na escuridão do ser”.

       “Seguramente, a alma não é algo insignificante (como as religiões ocidentais a consideram); ela é a própria Divindade radiante”.   
           
      

 O FIM DO SOFRIMENTO:   

       ‘Essa experiência (a experiência mística) é exatamente como se o espírito e a carne, eternos inimigos na visão do cristianismo, tivessem feito as pazes... o sagrado e o mundano se acham conjugados numa inesperada situação de paz. A austera seriedade do espírito parece tocada por uma alegria semelhante àquela que a antiguidade pagã conhecia, perfumada de vinho e rosas. Seja como for, (essa experiência) faz com que se esqueçam todas as dores e penas da alma... ’
       (Como disse Pascal: ‘alegria, alegria, lágrimas de alegria’; e o Buda: essa experiência ‘é o fim de todo sofrimento’; e Jesus: ‘é a libertação’).

      O INCONSCIENTE COLETIVO E A MENTE :

      “O inconsciente coletivo apresenta as características da mente não-localizada (mente fora o espaço-tempo, no atemporal, isto é, a mente una, cósmica, universal, Deus); não pode ser fixado no espaço e no tempo, e transcende o ego individual, envolvendo todas as mentes”.
   “O inconsciente tem o seu próprio tempo à medida que passado, presente e futuro, juntos, combinam-se nele”.
       “Uma vez que todas as distinções, diferenças, desaparecem na condição inconsciente, é lógico que a distinção entre mentes separadas deve desaparecer também. Toda vez que há diminuição do nível consciente, deparamos com exemplos de identidade inconsciente”.             

      O SENTIMENTO DE HARMONIA:

      "... Naturalmente é difícil compreender como essa figura abstrata (a experiência de Deus, que nada é mais que uma experiência subjetiva, pois na psique do homem) desperta o sentimento da ‘mais sublime harmonia’... Mas esse tipo de experiência não é, para mim, nem obscuro, nem longínquo. Muito ao contrário: trata-se de um fato que observo quase todos os dias em minha vida profissional (de psicoterapeuta)... Conheço um número consideravelmente grande de pessoas que, se quiserem viver, terão de levar a sério sua experiência íntima...”

      (Isto significa que a vida daqueles que tiveram a experiência de Deus será transformada obrigatoriamente por força do novo conhecimento, a iluminação que lhes vem dela; ela proporciona o ‘nascer de novo’, a ‘ressurreição’).
 
       O SIGNIFICADO DA EXPERIÊNCIA:

      Os exemplos que escolhi para ilustrar aquilo que chamo de ‘experiência mística’ (a experiência de perceber Deus) certamente pouco significarão para um olhar inexperiente... Mas, apesar disso, a experiência individual... é sangue quente e rubro, que pulsa nas veias do homem (que a teve). Para quem busca a verdade, ela é mais persuasiva do que a melhor das religiões, do que a melhor das tradições... Se quisermos saber algo a respeito do significado da experiência religiosa para aqueles que a tiveram, esse algo é: tudo - Quem teve essa experiência diz que tudo o mais é lixo se comparado com ela (Teresa de Ávila); fútil e infantil (Krishnamurti), e que, só com essa experiência a vida adquire significado).

      EXPLICANDO A EXPERIÊNCIA:
  
     ‘Naturalmente é difícil compreender como essa figura abstrata (a experiência imediata, a experiência mística, a percepção daquilo a que as religiões dão o nome de Deus, que nada é mais que uma experiência subjetiva, pois na psique do homem) desperta o sentimento da ‘mais sublime harmonia’... Contudo esse tipo de experiência não é, para mim, nem obscuro, nem longínquo. Muito ao contrário: trata-se de um fato que observo quase todos os dias em minha vida profissional (de psicoterapeuta)... Conheço um número consideravelmente grande de pessoas que, se quiserem viver, terão de levar a sério sua experiência íntima... ’ (isto é, a vida daqueles que tiveram essa experiência de Deus, será obrigatoriamente transformada por força do novo conhecimento, a iluminação que lhes veio dela)."

      JUNG E A RELIGIÃO:

     ‘Eu gostaria de deixar bem claro que, com o termo ‘religião’, não me refiro a uma dada profissão de fé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado se funda originalmente na experiência do numinoso (transcendental) (que, na experiência religiosa pode ser o influxo de uma presença invisível que produz modificação especial na consciência; tal, pelo menos, é a regra universal) e, por outro lado, na fé e na confiança relativa a uma experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. Um dos exemplos mais frisantes, nesse sentido, é a conversão de Paulo. Poderíamos, portanto, dizer que o termo ‘religião’ designa a atitude particular de uma consciência transformada pela experiência do numinoso...’ (Transformada pela experiência de Deus).

      PERCEPÇÃO DIRETA DE DEUS:

      Pesquisadores cristãos do primitivo cristianismo afirmam que ‘o que falta, no cristianismo de hoje, é o conhecimento de que podemos ir além da teoria e da doutrina; que podemos passar para a percepção direta’, vejam bem, ‘percepção direta’; podemos perceber, diretamente, aquilo de que a doutrina fala. Isto é, podemos ter a percepção direta de Deus. Esse conhecimento existia no cristianismo dos primeiros séculos, mas a igreja cristã esqueceu de divulgar.

      Jung afirma que a experiência de "conhecer a verdade" é a experiência mais importante e sublime na vida do ser humano. Enquanto as experiências de seguidores de crenças e religiões são, em geral, como relatam os que por elas passaram, diferentes entre umas e outras, obscuras, se referindo a necessidades ou assuntos diversos, a experiência de Deus é uma só, uma "experiência de concordância universal" (denominação dada por Jung), pois é idêntica para todos os que a tiveram, seja em qualquer tempo ou lugar.

      "O fato, que tenho comprovado numerosas vezes, em meu consultório, é que a experiência de Deus é a verdadeira terapia e, na medida em que as pessoas passam por essa experiência, elas se afastam da maldição da patologia".


O Budismo Tibetano e a Psic. Analítica de Jung:
Palestra proferida por Antonio Carlos Jorge, na Loja Liberdade, em 30/03/07

"Jung classifica quatro tipos humanos: o pensativo, o sentimental, o intuitivo e o perceptivo. Os dois primeiros ligados a funções racionais e os dois últimos ao irracional. Todos nós nos enquadramos em um destes tipos, eventualmente em dois e às vezes alguns poderão dominar três, mas os quatro juntos não é possível dentro de uma condição normal.

O processo de individuação leva à integração destes quatro tipos, sendo utilizada a linguagem do inconsciente coletivo, que envolve os mitos, os sonhos, ou seja, o mundo dos arquétipos que são conteúdos do inconsciente coletivo. São imagens primordiais sem conteúdo, formas de pensamento, gravadas na constituição psíquica, que já eram de conhecimento dos budistas, conforme já mencionamos.

Sem este fator, segundo Jung, é impossível de se chegar ao Self. O Self é a quintessência dos arquétipos, sendo o princípio organizador, guia e unificador que dá direção à personalidade e sentido à vida. É o ápice do crescimento pessoal que leva a auto-realização, ou seja, é o homem eterno, a divindade no homem. É atemporal, único, eterno e universal.

O inconsciente coletivo, que é parte da psique, deve-se à hereditariedade e não às experiências pessoais. Isso está numa camada, num estrato, que todos podem acessar de uma maneira inconsciente. Podemos fazer uma analogia aos registros Akashicos ou registros búdicos. Ele diz que o inconsciente é constituído por material esquecido ou reprimido. Jung fala ainda em psique subjetiva que é o inconsciente pessoal e a psique objetiva, impessoal, transpessoal, essa sim o inconsciente coletivo.

Essa foi a maior contribuição de Jung; a descoberta do inconsciente coletivo.

O conceito de ego segundo Freud e isso se aplica às condições da psique de Jung, é um coitado, pois está pressionado pelo Id, que é o aspecto de desejos inconscientes, hereditários, transcendentes, que leva ao prazer. O ego submetido ao id vive uma vida de prazeres, condicionado àquela estrutura que vimos no início. A roda de prazer e dor, que leva ao sofrimento. Por outro lado Freud diz que existe o superego, que é o que impõe as regras, os limites, o castrador. A pessoa também que é submetida ao superego também vai sofrer. O ego também é confrontado com o mundo exterior, com todos os perigos latentes. O ego então fica confinado a essas condições da vida, duas internas e uma externa.

O desenvolvimento do método de Jung foi desenvolvido através da sua própria experiência. Ele percebe que o método funcionou para ele e conclui que é possível ser aplicado a outros, constituindo-se em um modo revolucionário de analisar essas questões da espiritualidade sob o prisma científico, dentro de uma metodologia controlada.

O método é chamado de psicologia analítica. Inicialmente ele chamou de psicologia dos complexos.

Jung diz que a pessoa que passa pelo processo tem que necessariamente assumir um compromisso ético, pois uma vez que se tenha descoberto a sua patologia o paciente tem um compromisso ético em relação àquilo, que é a idéia do budismo. Pois se você se conscientiza, entende e pensa corretamente, tem que assumir uma postura ética que é a fala, a ação, o modo de vida e o esforço corretos.

A função de todo o processo é curadora, tanto é que em seu livro "Memórias, Sonhos e Reflexões" Jung diz  "A Cura das Almas é minha missão".

A psicologia de Jung cura a alma e não é simplesmente um processo de ajuste da personalidade e cura de sintomas.

É um processo de Integração da personalidade, autônomo e inconsciente, que determina um impulso natural e espontâneo para auto-realização, podendo tornar-se atividade consciente. A personalidade permeia-se de luz e o consciente estende-se e amplia-se mais.

O processo, embora seja inconsciente, pode tornar-se atividade consciente, direcionado pela própria pessoa. É o princípio da função transcendente, como no Budismo, existindo uma luta contra as forças opostas, entre o inconsciente e o inconsciente, representada pelas mandalas.

Esse processo de alimentação mútua, onde o consciente clareia o inconsciente e este nutre o consciente, harmonizando conteúdos, permitindo que o inconsciente fale no silêncio e se perceba pacientemente as mensagens. Isso faz com se transforme a personalidade. Desenvolve-se a plenitude do indivíduo.

Isso arredonda a personalidade e faz com que se contate o numinoso, ou seja, tudo aquilo que foge da esfera do fenômeno material, o universo que é o que é, sem conceitos, a percepção budista da vacuidade, o não temporal e não local, o uno, Sunyata, conforme já vimos.

Nós falamos de desenvolvimento e é interessante conceituarmos o que é desenvolvimento, já que muitas vezes não prestamos muita atenção no significado das palavras.

O conceito é um pouco diferente que normalmente estamos habituados a considerar. Pode-se acreditar que para o desenvolvimento são requeridas ações externas ao meio, mas na realidade desenvolvimento requer uma interiorização. Vamos analisar o que é desenvolver. O que significa embrulhar? É revestir algo com alguma coisa. O que é desembrulhar? É tirar o revestimento de algo. O que é envolver? O mesmo que revestir, embrulhar. Desenvolver-se, então, é desembrulhar-se. Nós temos que desembrulharmos de nosso corpo físico, astral e mental, para atingirmos a pedra preciosa e incorruptível que está no âmago de nosso ser. Não no sentido de negligenciarmos esses corpos, mas de submetê-los à vontade do nosso Eu verdadeiro.

 Nós devemos ser os jogadores, mestres de nosso tabuleiro da vida, e não meros peões. Não devemos nos submeter aos condicionamentos sociais.

Mas voltando ao processo...

Na realidade não existe um método rígido, sendo que o terapeuta é um facilitador do desenvolvimento das possibilidades criativas do paciente. O terapeuta deve ser livre de preconceitos e teorias, deve compreender o indivíduo e deixar que a natureza seja o guia.

A criatividade é um fator importante no processo, através da arte é possível se fazer a síntese. Muitas pessoas têm medo de serem criativas, por egoísmo. O ato de criar, o objeto da criação, uma vez concebido, não pertence mais a quem criou. Uma música, uma pintura, um poema, um filho. Depois de criado não pertence mais ao criador. As pessoas às vezes reprimem a sua capacidade criativa por egoísmo.

O processo além de estimular o extravasar do que está reprimido, provoca um estado mental calmo e livre de pensamentos e sem julgamentos e a observar os desdobramentos dos conteúdos inconscientes, que é similar à meditação.

Ele diz também que as experiências resultantes dos contatos mantidos com o universo do inconsciente devem ser registradas por escrito ou por desenhos, expressões criativas.

A ação deve ser pautada pela não-ação, ou seja, deixar-se ir, deixar fluir, pois isto é a chave que abre a porta do caminho, pois o consciente está a sempre interferir e não permite a fluidez. Podemos associar o consciente com a mente concreta, que analisa, critica e julga. O que Blavatsky menciona na "Voz do Silêncio" que  "A mente é a grande assassina do real. Que o discípulo mate a assassina".

Com esse processo de interfusão e união dos opostos resulta-se na consciência crescente e na amplitude da personalidade transformada, emergindo um novo.

Emerge um novo centro de personalidade, o Self, o Eu superior, diminuindo a tendência do ego, do eu Inferior, atraindo para si tudo que pertence à unicidade, cessando o superficial e o não essencial.

Na realidade, segundo Jung,  todo esse processo é de auto-educação, não existindo cura pessoal sem a retomada da perspectiva religiosa da vida. Vejam o caráter místico no qual é revestida a sua psicologia.

Jung menciona em seu livro "A Prática da Psicoterapia" que "O processo de individuação leva ao nascimento de uma consciência da comunidade humana, justamente porque nos torna cônscios do inconsciente, que une e é comum a toda a humanidade. A individuação é uma reconciliação consigo mesmo e ao mesmo tempo com a humanidade, visto que somos parte dela".


  "A mente é a grande assassina do real. Que o discípulo mate a assassina". 

"A mente/ego/eu tem de ser eliminada para que surja o Real, Deus. Esse é o único obstáculo entre nós e Deus. O que nos impede de "chegar" a Deus não é a falta de amor, de caridade; não é o orgulho, nem o egoísmo; é a mente/ego. Como disse o profeta: “Aquieta-te e sabe: eu sou Deus”, e, como dizem os sábios: “ou eu, ou Deus”; se um está, o outro não está. Quando o ego morre, só Deus está ali; quando o ego morre, Deus resplandece. Por isso, Aquele que eliminou o ego afirmou: “Eu e o Pai somos um”."


 

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