6 de set. de 2011

A Busca do Homem # 3


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A Consciência — A Totalidade da Vida — O Percebimento

Ao vos tornardes cônscio do vosso condicionamento compreendereis a totalidade de vossa consciência. A consciência é o campo total onde funciona o pensamento e existem as relações. Todos os motivos, intenções, desejos, prazeres, temores, inspiração, anseios, esperanças, dores, alegrias, se encontram nesse campo.

Mas nós dividimos a consciência em ativa e latente, em nível superior e nível inferior; quer dizer, na superfície todos os pensamentos, sentimentos e atividades de cada dia e, abaixo deles, o chamado subconsciente, as coisas que não nos são familiares, que ocasionalmente se expressam por meio de certas sugestões, intuições e sonhos. Ocupamo-nos com um pequeno canto da consciência, que constitui a maior parte de nossa vida; quanto ao resto, a que chamamos subconsciente, com todos os seus motivos, temores, atributos raciais e hereditários, não sabemos sequer como penetrá-lo. Agora, pergunto-vos: Existe mesmo tal coisa — o subconsciente? Empregamos muito livremente essa palavra. Admitimos que essa coisa existe e todas as frases e terminologias dos analistas e psicólogos se insinuaram na nossa linguagem; mas, existe ela? E, por que razão lhe atribuímos tamanha importância?

A mim ela parece tão trivial e estúpida como a mente consciente, tão estreita, tão fanática, condicionada, ansiosa e sem valor quanto ela. Assim, será possível ficarmos completamente cônscios de todo o campo da consciência e não meramente de uma parte, de um fragmento? Se puderdes tornar-vos cônscio da totalidade, agireis sempre com vossa atenção total e não com uma atenção parcial. Importa compreender isso, porque, quando se está cônscio de todo o campo da consciência, não há atrito. Quando se divide a consciência — toda ela constituída de pensamento, sentimento e ação — em diferentes níveis, é então que há atrito.


Vivemos de maneira fragmentária. No escritório som os uma coisa, em casa somos outra coisa; falais de democracia e, no íntimo, sois autocrata; falais em amor ao próximo e ao mesmo tempo o estais matando na competição; uma parte de vós está ativa, a olhar, independentemente da outra. Estais cônscio dessa existência fragmentária  em vós mesmo? E será possível ao cérebro, que dividiu o seu próprio funcionamento, o seu próprio pensar em fragmentos, tornar-se cônscio do campo inteiro? É possível olharmos o todo da consciência completa e totalmente, o que significa sermos entes humanos totais? Se, a fim de compreender a estrutura total do "eu", de extraordinária complexidade, procederdes passo a passo, descobrindo camada por camada, examinando cada pensamento, sentimento e_ motivo, ver-vos-eis todo enredado no processo analítico, que vos levará semanas, meses, anos; e quando admitimos o tempo no processo da  autocompreensão, temos de estar preparados para toda espécie de deformação, porquanto o "eu" é uma entidade complexa, que se move, vive, luta, deseja, nega; sujeita a pressões e tensões de toda espécie, que nela atuam continuamente.

Descobrireis, assim, por vós mesmo, que não é esse o caminho que deveis seguir; compreendereis que a única maneira de olhardes a vós mesmo é fazê-lo totalmente, imediatamente, fora do tempo; e só podeis ver a totalidade de vós mesmo quando a mente não está fragmentada. O que vedes em sua totalidade é a verdade. Mas, sois capaz disso? A maioria não o é, porque nunca nos abeiramos do problema com seriedade, porque na realidade nunca olhamos a nós mesmos.

Nunca! Lançamos a culpa a outros, satisfazemo-nos com explicações, ou temos medo de olhar. Mas, quando olhardes totalmente, aplicareis toda a vossa atenção, todo o vosso ser, tudo o que tendes, vossos olhos, vossos ouvidos, vossos nervos; estareis atento com o mais completo auto-abandono e não haverá então mais lugar para o medo, para a contradição e, por conseguinte, não haverá mais conflito. Atenção não é a mesma coisa que concentração. A concentração é exclusão; a atenção é percebimento total, que nada exclui. A maioria de nós não me parece estar cônscia, não só do que estamos dizendo aqui, mas também de nosso ambiente, das cores que nos rodeiam, das pessoas, da forma das árvores, das nuvens, do movimento da água. Isso acontece, talvez, porque estamos tão interessados em nós mesmos, em nossos insignificantes problemas, nossas próprias idéias, nossos prazeres, ocupações e ambições, que não podemos ficar objetivamente cônscios.

Entretanto, muito se fala de percebimento. Certa vez, na índia, eu viajava de automóvel. Um motorista conduzia o carro, e eu ia sentado a seu lado. Atrás, três homens discutiam com muito ardor sobre o percebimento, fazendo-me de vez em quando perguntas sobre o assunto. Naquele momento, o motorista, que estava a olhar para outra parte, infelizmente, atropelou uma cabra, e aqueles três homens prosseguiram na discussão sobre o percebimento, completamente alheios ao atropelamento da cabra. Quando essa falta de atenção lhes foi apontada, os três cavalheiros, que tanto se empenhavam em estar atentos, demonstraram grande surpresa.

A mesma coisa acontece com a maioria de nós. Não estamos conscientes nem das coisas exteriores nem das interiores. Se desejais compreender a beleza de uma ave, de uma mosca, de uma folha, de uma pessoa, com todas as suas complexidades, tendes de dispensar-lhe toda a vossa atenção — e isso é percebimento. E só podeis dar toda a atenção quando tendes zelo, quer dizer, quando amais realmente o compreender; aplicais então ao descobrimento todo o vosso coração e toda a vossa mente.


Esse percebimento é coisa semelhante a viverdes com uma serpente em vosso quarto; observais cada um dos seus movimentos, sois altamente sensível a cada ruído que ela produz. Um tal estado de atenção é energia total; nesse percebimento se revela instantaneamente a totalidade de vós mesmo.


Ao vos olhardes dessa maneira profunda, podeis descer mais fundo ainda. Empregando as palavras "mais fundo" não estamos fazendo comparação. Nós pensamos comparativamente — profundo e superficial, feliz e infeliz. Estamos sempre a medir, a comparar. Mas, será que existe em alguém mesmo tal estado — o superficial e o profundo? Quando digo "minha mente é superficial, mesquinha, estreita, limitada" — como sei dessas coisas? Porque comparei minha mente com vossa mente, que é mais brilhante, tem mais capacidade, é mais inteligente e alertada. Posso conhecer minha pequenez sem comparação? Quando sinto fome, não comparo essa fome com a fome que ontem senti. A fome de ontem é uma idéia, uma lembrança. Se estou sempre a medir-me por vós, a esforçar-me para ser igual a vós, estou então negando a mim mesmo. Por conseguinte, estou criando uma ilusão.

Ao compreender que a comparação, em qualquer forma, só leva a uma ilusão e um sofrimento maiores ainda (tal como acontece quando analiso a mim mesmo, aumentando o meu conhecimento pouco a pouco, ou identificando-me com algo fora de mim mesmo — o Estado, um salvador ou uma ideologia), ao compreender que todos esses processos só levam a mais ajustamento e conflito, abandono toda comparação. Minha mente já não está a buscar. Muito importa compreender isso.

Minha mente já não está então a tatear, a buscar, a indagar. Isso não significa estar satisfeito com as coisas como são, porém, sim, que a mente não tem ilusão nenhuma. Pode então mover-se numa dimensão totalmente diferente. A dimensão na qual vivemos nossa vida cotidiana, de dor, de prazer, de medo, condiciona a mente, limita-lhe a natureza, e quando aquela dor, aquele prazer e aquele medo deixaram de existir (o que não significa não ter mais alegria; a alegria é coisa totalmente diferente do prazer), a mente passa então a funcionar numa dimensão diferente, na qual não existe conflito, nenhuma idéia de diferença.

Verbalmente, só podemos chegar até esse ponto; o que existe além não pode ser expresso em palavras, porque a palavra não é a coisa. Até aqui, pudemos descrever, explicar, mas nem palavras nem explicações podem abrir a porta. O que abrirá a porta é o percebimento e a atenção diários — percebimento da maneira como falamos, do que dizemos, de nossa maneira de andar, do que pensamos. Isso é como limpar e manter em ordem um aposento. Manter o aposento em ordem é importante a um respeito e totalmente sem importância a outro respeito.

Deve haver ordem no aposento, mas a ordem não abrirá a porta ou a janela. O que abre a porta não é vossa volição ou desejo. Não se pode de modo nenhum chamar o outro "estado de espírito". O que se pode fazer é apenas manter o aposento em ordem, o que significa ser virtuoso por amor à virtude e não pelo que isso nos trará, ser equilibrado, racional, ordenado. Então, talvez, se tiverdes sorte, a janela se abrirá e a brisa entrará. Ou pode ser que não. Tudo depende do estado de vossa mente.

E esse estado da mente só pode ser compreendido por vós mesmo ao observá-lo sem tentar moldá-lo, sem ser parcial, sem contrariá-lo, sem jamais concordar, justificar, condenar, julgar; quer dizer, estar vigilante sem fazer nenhuma escolha. E, em razão desse percebimento sem escolha, a porta talvez se abrirá e conhecereis aquela dimensão em que não existe o conflito nem o tempo.

 

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