
A virtude, pois, é essencial para se compreender a Realidade, e
virtude não é respeitabilidade. Ser virtuoso, sem procurar tomar-se
virtuoso, exige extraordinária investigação, lúcido pensar.
Descobrireis, então, que existe uma disciplina não relacionada com a
disciplina da moralidade social; uma disciplina que é essencial,
porquanto torna a mente capaz de seguir com incomum velocidade o célere
movimento da Verdade. (…) (Idem, pág. 147)
Se desejais compreender o que é a Realidade, vossa mente deve ser
capaz de extraordinária lucidez, silêncio, velocidade; e não é lúcida,
não é silenciosa, não é veloz a mente quando agrilhoada a qualquer forma
de disciplina. (…) Ao compreenderdes isso, vereis que existe uma
disciplina, uma austeridade não resultante de atividade egocêntrica; e
essa disciplina é que é essencial, para que a mente possa seguir o
rápido movimento da Verdade. (Idem, pág. 147)
Ora, a mente que busca a Realidade encontra, nessa própria busca, um
“processo” de disciplina em que não há experimentar por parte do
“experimentador”. Para que o “experimentador” não tenha experiências,
requer-se extraordinária lucidez, espantosa firmeza de pensamento, de
compreensão; e dessa compreensão da totalidade da mente, que é
autoconhecimento, provém uma disciplina, uma conduta, um comportamento
produtivo daquela austeridade tão essencial ao “abandono” (de si mesmo).
Com esse “abandono” (…) encontra-se a Beleza. Só a mente que de todo se
abandona é realmente austera, e ela é que pode compreender a Verdade, a
Realidade. (O Homem Livre, pág.148)
Pergunta: Não é necessária a prática de uma disciplina regular?
Krishnamurti: Um dançarino ou um violinista pratica muitas horas por
dia a fim de manter os dedos macios e os músculos flexíveis. Ora, é
possível mantermos a mente maleável, reflexiva, compassiva, com o
praticar determinado sistema de disciplina? Ou só podeis conservá-la
aberta, aguda, com a percepção constante do pensamento-sentimento? (…)
(Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 170)
Ao passo que, se nos tornarmos conscientes e compreendermos que
pensamos em termos de sistemas, fórmulas e padrões, então o
pensamento-sentimento, libertando-se deles, tornar-se-á pouco a pouco
flexível, alerta e agudo. Se considerarmos plenamente (…) seremos
capazes de compreender e sentir ampla e profundamente. (…)
(Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 170-171)
Essa larga e profunda percepção traz a própria disciplina, disciplina
não imposta, exterior ou interiormente (…) resultante do conhecimento
de nós mesmos, (…) do correto pensar, da compreensão. Tal disciplina é
criadora, não forma hábito nem estimula a indolência. (Idem, pág. 171)
Pergunta: Todas as religiões têm encarecido a necessidade de alguma
espécie de disciplina. (…) Mas pareceis dar a entender que tais
disciplinas constituem um obstáculo. (…)
(…) O que em geral acontece é que escolheis o que é mais conveniente,
(…) satisfatório; simpatizais com o homem, sua aparência, suas
idiossincrasias. (…) Mas, deixemos de lado tudo isso. (…) (Solução para
os nossos Conflitos, pág. 79-80)
Que implica a disciplina? Por que nos disciplinamos (…)? A disciplina
e a inteligência são compatíveis uma com a outra? (…) A maioria das
pessoas acha que precisamos, mediante dada espécie de disciplina,
subjugar ou controlar o bruto, o ignóbil que está em nós. Mas esse
bruto, essa coisa ignóbil, é suscetível de controle mediante disciplina?
(Solução para os nossos Conflitos, pág. 81)
Que entendemos por disciplina? (…) Um padrão de conduta que, se
praticado com diligência, aplicação e muito ardor, me dará, no fim,
aquilo que desejo. Poderá ser penoso, mas estou decidido a segui-lo.
Isto é, o “eu”, essa entidade agressiva, interesseira, hipócrita, cheia
de ansiedades e temores; esse “eu”, que é a causa do bruto que em nós
existe, nós o desejamos transformar, subjugar, destruir. (Idem, pág. 81)
E como se consegue isso? Conseguir-se-á pela disciplina, ou pela
compreensão inteligente do passado do “eu”, da identidade do “eu”? (…)
Isto é, devemos destruir o bruto (…) pela compulsão, ou pela
inteligência? E a inteligência se consegue pela disciplina? (…) (Solução
para os nossos Conflitos, pág. 81-82)
Outros sim (…) O temor está no fundo de nosso desejo de ser disciplinados, mas o desconhecido não pode ser colhido na rede da disciplina. Pelo contrário, o desconhecido necessita de liberdade e não do padrão da vossa mente. Essa a razão por que é essencial a tranqüilidade da mente. Quando a mente está cônscia de estar tranqüila, já não está tranqüila; (…) (Solução para os nossos Conflitos, pág. 88)
(…) Pode o que é real ser percebido através da disciplina ou da
vontade? Isto é, pela compulsão, pelo esforço do intelecto, curvando,
controlando, disciplinando, guiando, forçando o pensamento em uma
direção particular, podeis conhecer-vos? E podeis conhecer-vos por meio
de padrões de conduta, torcendo o vosso pensamento e o vosso sentimento
aos seus ditames (…)? (Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 77)
Há, então, o outro estado, que é espontâneo. Podeis conhecer-vos
somente quando estiverdes despreocupados, quando não estiverdes
calculando, nem protegendo, nem constantemente observando para guiar,
para transformar, para subjugar, para controlar; quando vos virdes
inesperadamente, isto é, quando a mente não tiver preconcepções com
relação a si mesma, quando estiver aberta, não preparada para defrontar o
desconhecido. (Idem, pág. 78)
Assim, a espontaneidade só pode surgir quando o intelecto não se está
defendendo, (…) protegendo, quando já não teme por si; e isso só pode
suceder partindo do interior. Isto é, o espontâneo deve ser o novo, o
desconhecido, o incalculável, o criativo. (…) Observai os vossos
próprios estados emocionais e vereis que os momentos de grande alegria,
de grande êxtase, não são premeditados; eles acontecem, misteriosa,
obscura, desconhecidamente. (…) (Idem, pág. 79)
A humildade, pois, não é uma coisa que se deve alcançar com esforço.
Alcançá-la-eis naturalmente, facilmente, “graciosamente”, uma vez
percebido como um processo total esse movimento do exterior e do
interior. Então começareis a aprender. Aprender é o estado da mente que
jamais acumula experiência como memória. (O Homem e seus Desejos em
Conflito, 1ª ed., pág. 213)
E vereis que da humildade provém a disciplina. Em maioria, não somos
disciplinados. Submetemo-nos, ajustamo-nos, reprimimos, sublimamos. (…)
Submissão não é disciplina e, sim, meramente, um produto do medo; por
conseguinte, torna a mente estreita, estúpida, embotada. (Idem, pág.
213)
Refiro-me a uma disciplina que se torna existente espontaneamente,
quando há esse extraordinário senso de humildade, e a mente, por
conseguinte, se acha num “estado de aprender”. Não é então necessário
impor à mente nenhuma disciplina, porquanto o “estado de aprender” é, em
si mesmo, disciplina. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág.
213)
Espero estar explicando isso bem claramente. Refiro-me a uma
disciplina completamente diferente, uma disciplina que nasce
espontaneamente, quando se compreende esse extraordinário processo da
vida, não em fragmentos, mas como um todo indiviso. Quando compreendeis a
vós mesmo, não “especializado” como músico, artista, orador, iogue,
etc., mas como ser humano total, então há um “estado de aprender”, e
esse mesmo “estado de aprender” é disciplina na qual não há ajustamento,
imitação. A mente não está sendo moldada de acordo com nenhum padrão e,
portanto, é livre, e nessa liberdade há um espontâneo senso de
disciplina. (Idem, pág. 213-214)
(…) Podemos viver mil vidas, praticando a autodisciplina, sacrificando, subjugando, meditando, mas por esse meio nunca seremos levados ao direto percebimento, o qual só é realizável em plena liberdade, e não por meio de controle, de subjugação, de disciplinas; e só pode aparecer a liberdade quando a mente se torna cônscia, de pronto, de seu condicionamento, pois então se verifica a cessação desse condicionamento. (Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 10)
Quase todos nós desejamos encontrar uma pessoa autorizada que nos
ensine o que devemos fazer. (…) Ora, pode-se chegar a Deus - essa
entidade suprema, inefável, indefinível - (…) pela disciplina, pela
observância de um padrão de ação? Queremos alcançar determinado alvo
pela disciplina, reprimindo, sublimando ou substituindo (…) (A Primeira e
Última Liberdade, 1ª ed., pág. 155-156)
Que implica a disciplina? Por que nos disciplinamos (…)? Podem
coexistir a disciplina e a inteligência? A maioria das pessoas crê que
podemos, por meio de certa disciplina, subjugar ou controlar o bruto que
em nós reside. Esse bruto, (…) monstro, pode ser controlado pela
disciplina? O “eu”, entidade agressiva, egoísta, hipócrita, inquieta,
medrosa (…), esse “eu”, que gerou o bruto em nós, queremos
transformá-lo, subjugá-lo, destruí-lo. (Idem, pág. 156)
Como consegui-lo? Pode-se conseguir isso por meio de disciplina, ou
só pela compreensão inteligente do passado do “eu”, da natureza do “eu”,
sua origem, etc.? Será destruído o bruto que existe no homem pela
compulsão, ou só pela inteligência? Inteligência é questão de
disciplina? (…) (Idem, pág. 156)
Antes de tudo, deve a mente estar tranqüila, (…) não perturbada, para
que possa compreender qualquer coisa, principalmente aquilo que não
conheço, (…) que minha mente é incapaz de descobrir, ou seja (…) Deus.
(…) Pode essa tranqüilidade profunda ser atingida por meio de qualquer
forma de compulsão? (…) A resistência, pois, não é o caminho. (A
Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 157)
O primeiro requisito, não como disciplina, é evidentemente a
liberdade; só a virtude pode dar essa liberdade. Avidez é confusão;
cólera é confusão; malevolência é confusão. Ao perceberdes isso, estais
livre dessas coisas; não mais lhes resistis, porque vem a compreensão de
que só em liberdade podeis descobrir, e que toda forma de compulsão não
é liberdade, não permite descobrimento. (Idem, pág. 158)
A palavra “disciplina” significa aprender de um homem que sabe; supõe-se que vós não sabeis e tendes de aprender dele. É isso o que implica a palavra “disciplina”. Mas, aqui, não a vamos empregar com o sentido de aprender de outrem, mas, sim, com o significado de observar a si próprio. A observação de si próprio exige uma disciplina em que não haja repressão, imitação, obediência ou, sequer, ajustamento; (…) O próprio ato de aprender é, em si, disciplina, já que requer muita atenção, grande energia e “intensidade” e instantaneidade de ação. (Fora da Violência, pág. 21)
As atitudes cultivadas da moça, e aquelas disciplinadas do asceta
chamado religioso, são, igualmente, resultados deformados de uma mente
vulgar, pois ambos repelem a natural espontaneidade. Temem-na, um e
outro, porque a espontaneidade os revela, a si próprios e a outros, tais
como são; ambos estão diligenciando destruí-la, e a medida do seu
sucesso é o completo ajustamento ao padrão. (…) A espontaneidade é a
única chave que abre a porta do que é. (Comentários sobre o Viver, 1ª
ed., pág. 132)
A reação espontânea revela a mente tal como é; mas o que se revela é
imediatamente adornado ou destruído, e, com isso, se põe fim à
espontaneidade. A destruição da espontaneidade é própria da mente
vulgar. Só na espontaneidade, na liberdade, pode haver descobrimento. A
mente disciplinada não pode descobrir; poderá funcionar com muita
eficiência (…); não pode, porém, desvelar o insondável. É o medo que
cria a resistência, chamada disciplina; mas o espontâneo descobrimento
do temor é libertação do temor. Ajustar-se a um padrão é medo, e este só
pode gerar conflito, confusão e antagonismo. (Idem, pág. 132)
Sem espontaneidade não pode haver autoconhecimento; e sem
autoconhecimento a mente é moldada por influências passageiras. (…) O
que se junta peça por peça pode ser desfeito, e o que não foi ajuntado
só pode ser descoberto pelo autoconhecimento. O “eu” é uma coisa que foi
ajuntada, e, só quando se desmancha o “eu”, pode aquilo que não é
resultado de influência, que não tem causa ser conhecido. (Idem, pág.
132-133)
“Parece uma coisa interminável, essa constante análise, introspecção,
vigilância. Tudo já tentei: gurus de caras raspadas, gurus barbados,
sistemas de meditação - o “repertório” que bem conheceis. No fim de
tudo, a gente fica de boca seca e oco por dentro.”
Por que não começar pelo outro lado, o lado que desconheceis - a
outra margem que não podeis enxergar desta margem? Começai com o
desconhecido, em lugar do conhecido, pois o constante exame e análise só
têm o efeito de condicionar mais ainda o conhecido. Se vossa mente
viver com suas raízes no outro lado, todos os vossos problemas deixarão
de existir. (A Outra Margem do Caminho, pág. 124)
“Mas, como posso começar do outro lado? Eu o desconheço, não posso vê-lo.”
Essa pergunta - como posso começar do outro lado? - tem sua base
neste lado. Portanto, não a façais, e parti do outro lado, que
desconheceis completamente, de uma outra dimensão que pensamento,
malgrado sua sagacidade, é incapaz de apreender. (A Outra Margem do
Caminho, pág. 124)
“Não vejo como posso começar daquele lado. Em verdade, não compreendo
essa vaga asserção. Eu só posso me dirigir a um lugar que conheça.”
Mas, que é que conheceis? Só conheceis uma coisa já terminada,
acabada. Só conheceis o ontem, e nós estamos dizendo: parti daquilo que
desconheceis, vivei com vossas bases lá. (…) Mas, se viveres com o
desconhecido, estareis vivendo em liberdade, agindo com base na
liberdade, e isso, afinal, significa amor. Se disserdes: Eu sei o que é o
amor” - nesse caso não sabeis o que é ele. (…) Já que não é isso, vivei
então com aquilo que desconheceis. (A Outra Margem do Caminho, pág.
125)
“Não sei o que é isso de que estais falando. (…)”
Estou fazendo uma pergunta muito simples. Estou dizendo que, quanto
mais se cava, mais há para cavar. Esse mesmo ato de cavar é
condicionamento, e cada porção que se retira com a pá forma um degrau -
degraus que não levam a parte alguma. Quereis que outros façam para vós
os degraus, ou quereis vós mesmo fazer os degraus que vos levarão a uma
dimensão de todo diferente? (…) Portanto, abandonai tudo e parti do
outro lado. Mantende silêncio, e o descobrireis. (A Outra Margem do
Caminho, pág. 125)
Desejo explicar hoje que há um modo de viver naturalmente,
espontaneamente, sem a constante fricção da autodisciplina, do
ajustamento. Quando viveis completamente na harmonia de vossa mente e
coração, então o vosso agir é natural, espontâneo, sem esforço.
(Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 130)
(…) Ninguém pode, de modo algum, forçar a espontaneidade. Nenhum
método vos dará a espontaneidade. (…) Nenhuma disciplina produz a
alegria espontânea do desconhecido. Quanto mais vos esforçardes para ser
espontâneo, tanto mais a espontaneidade se afasta e se torna oculta e
obscura. (…) Tendes de vos aproximar dela negativamente, não com a
intenção de capturar o desconhecido, o real. (Palestras em Ommen,
Holanda, 1937-1938, pág. 81)
Se não tiverdes simpatia nem afeição, jamais podereis alcançar ou
identificar-vos com a meta. A mente que está contente e satisfeita nunca
adquirirá simpatia, nem tampouco dará entendimento a outrem. Tenho
observado pessoas que desejam muito ajudar a outrem, mas não sabem como
fazê-lo. São incapazes de se colocar no lugar de outrem, e assim
perceber seu ponto de vista. (Vida em Liberdade, em “Carta de Notícias”
da ICK nº 1 a 6, de 1945, II, pág. 15)