"Meu mestre costumava expor os assuntos da lei de acordo com seu sentido literal, em cada um dos seis dias da semana. Mas depois ele costumava expor os significados secretos em honra do Sabbath.
"O estudo da Torah deve ter como sua motivação primária ligar a alma à sua fonte através da Torah, a fim de completar a árvore superna - os Sephiroth - e completar e aperfeiçoar o homem super
no... Se uma pessoa não se
aperfeiçoou cumprindo os 613 mandamentos a respeito da ação, fala e
pensamento, por força da necessidade ela se verá sujeita à 'gilgul' -
reencarnação - e quem quer que não tenha estudado a Torah de acordo com
os quatro níveis indicados por 'p r d s', que é um conjunto composto
pelas letras iniciais das quatro palavras: 'peshat', literal; 'remez',
alegórico; 'derash', homilético; e 'sod', místico, terá sua alma
voltando à encarnação de modo que ela possa completar cada um deles".
'Shulhan Aruk'
JACOB ZEMAH
O ano de 1492 é lembrado como o do início da grande era de explorações, uma queda das crostas dos olhos europeus e uma revelação das civilizações do leste, do sul e do 'novo mundo' além do oceano ocidental. A Renascença florira e frutificara na Itália, e começava a se mover para o norte, mas como ocorre com as grandes luzes, suas sombras foram escuras e profundas. Os Muçulmanos foram expulsos da Espanha e a Inquisição florescia. Assim como as maiores civilizações da América seriam brutalmente destruídas nesta nova época, também a cultura Islâmica representada pelo resplendente Alhambra seria erradicada. Os Judeus, que haviam prosperado e ascendido a posições de poder e proeminência sob o governo Islâmico, foram ameaçados e perseguidos. Em 1492 deu-se a todos os Judeus da Espanha quatro meses para deixarem o país, ou seriam executados. A conversão, uma opção inaceitável para a maioria, era igualmente inaceitável para a Inquisição, que processava indiscriminadamente Judeus marranos e verdadeiros conversos. O vasto êxodo resultante desta política implacável foi chamado de 'O Exílio', e teve seu efeito próprio e profundo no mundo mediterrâneo. Alguns do exilados perambularam pela Europa Central e alguns acabaram parando na Itália e Grécia, mas um grande número fugiu para o norte da África e o Oriente Médio.
O conhecimento Muçulmano havia brilhado no sul da Espanha, onde seus dinâmicos movimentos Sufi haviam construído um pano de fundo para o ressurgimento dos ensinamentos Kabbalísticos. Lá o 'Zohar' havia se tornado amplamente conhecido, e centros de estudo Kabbalístico desenvolveram penetrantes doutrinas filosóficas e sofisticadas técnicas de meditação, ambas enraizadas no princípio de que a percepção interior é cultivada por uma vida ética purificadora. Como a destruição do Segundo Templo pelos romanos, em 70 dC, levou à disseminação da Kabbalah através da Diáspora, do mesmo modo o Exílio de 1492 estimulou a criação de novos centros de aprendizado Kabbalístico e levou à sua difusão no Judaísmo popular da Europa. Fez, no Marrocos, se tornou um destes centros, onde o pensamento Sufi há muito havia encontrado um porto. O Egito e a Turquia também forneceram lugares para a contemplação mística, mas o principal centro estava localizado na antiga Galiléia, a terra natal de Jesus, na cidade de Safed. Safed era o local tradicional do túmulo de Simeão ben Jochai, o Instrutor que primeiro ordenara que partes da Kabbalah deviam ser postas por escrito, depois da destruição do SegundoTemplo.
Joseph Karo, nascido em Toledo, foi levado por sua família para Constantinopla, durante o Exílio. Renomado erudito Talmudista e pensador jurídico, suas intensas meditações privadas levaram-no em 1536 a Safed. Lá ele se tornou 'rabbi'-chefe e cultivou um grupo de jovens Kabbalistas, métodos de meditação e doutrinas sobre a imortalidade e reencarnação que foram comparadas ao Yoga hindu e às filosofias Budistas tibetanas. Moisés Cordovero, cuja primeira parte de sua vida é desconhecida pela história, estabeleceu-se em Safed e estudou com Karo. Com a idade de vinte e seis anos ele já havia composto o 'Pardes Rimmonim' ('Pomar de Romãs'), que delineava treze caminhos para estados transcendentais de consciência. Ele sustentava que a incessante troca de energias entre os Sephiroth fornece uma chave para o entendimento do ser humano e de sua relação com a Natureza visível e invisível. Como membro do grupo conhecido como Chaverim - Associados - ele compilou uma lista de preceitos pelos quais ele e seus companheiros procuravam viver. Estes princípios eram Pitagóricos em sua natureza e incluíam o voto de jamais ser forçado à raiva, de evitar comida em excesso, de falar a verdade, de aceitar sem agitação tanto a dor como o deleite, e de rever os pensamentos e ações próprios antes de cada refeição e antes de se retirarem para dormir. Assim, em Safed formou-se um vórtice místico em torno da memória de Simeão ben Jochai, iluminado pela luz numinosa do 'Zohar', e reunindo aqueles que viam que o fim só poderia ser encontrado no início, e que percebiam na turbulência do Exílio um símbolo da alienação de toda alma humana de sua fonte transcendental. Isaac Luria entrou neste vórtice e se tornou seu foco fulgurante em sua própria época e nos séculos que viriam depois.
Isaac Luria, que veio a ser chamado de Ha-Ari, 'o Leão', a partir das iniciais de Ha-Elohi Rabbi Yizhak, 'o divino Rabbi Isaac', nasceu em Jerusalém em 1534. A família de seu pai era de emigrantes Ashkenazi vindos da Alemanha, e sua mãe pertencia à família Sefardita Frances, talvez exilados na expulsão espanhola de 1492. Lendas obscurecem sua vida inicial, sugerindo que com sete anos ele tenha ido para do Egitrto com sua mãe, logo depois da morte de seu pai. Ele mais tarde atestou, contudo, que havia estudado a Kabbalah com o Kabbalista polonês Kalonymus, em Jerusalém. A história verifica que ele estudou no Egito com Davi ben Salomon ibn Abi Zimra, e com seu sucessor Bezalel Ashkenazi, ambos mestres do 'halakha', o sistema legal ortodoxo. Ele conquistou uma sólida reputação no estudo da lei e da literatura rabínica, e pelo menos um de seus pareceres 'halakha' sobrevive até hoje. O Genizha no Cairo contém documentos que mostram que ele era comerciante, uma atividade que manteve em Safed, onde ele colocou seus negócios em ordem apenas três dias antes de morrer. Enquanto ganhava reconhecimento público como participante ortodoxo na comunidade, ele estudava assiduamente os mistérios da Kabbalah. Antes de se mudar para Safed ele escreveu um breve tratado sobre o 'Livro da Ocultação', uma seção fundamental do 'Zohar', mas nada neste comentário sugere as concepções extraordinárias que mais tarde ele haveria de transmitir aos seus discípulos.
Em 1570 Isaac Luria estabeleceu-se em Safed com sua família, onde ele foi reconhecido como um exímio estudante e professor da Kabbalah, incluindo suas rigorosas práticas meditativas. Ele já entendera que a Kabbalah, quando aplicada aos estados de consciência, conduz a poderes extraordinários, e advertiu seus seguidores para que evitassem toda fascinação com práticas mágicas ambíguas através da adesão à busca desinteressada de sabedoria espiritual. Ele estudou com Moisés Cordovero pouco antes da morte deste no outono de 1570. Cordovero teve a oportunidade de ler alguns livros de Luria antes de morrer, e não havia dúvidas de que, a despeito do curto período que estava em Safed, Luria seria o sucessor de Cordovero. Reuniram-se discípulos em um círculo esotérico em torno de Luria, muitos dos quais haviam estudado com Cordovero. Enquanto sua fama por sua sabedoria 'halakha' e pureza de conduta pessoal haviam se espalhado tão longe como no Egito e Europa, ele mantinha seus ensinamentos sobre a Kabbalah completamente ocultos. Construindo aposentos especiais para eles e suas famílias, este grupo muito íntimo se ocupava de estudos intensivos, trabalho comunal e meditação individual, todos guiados por Luria. Quando ele morreu em 1572, com a idade de trinta e oito anos, menos de três anos depois de chegar a Safed, ele já havia deixado uma marca indelével na Kabbalah e uma poderosa convicção entre seus seguidores a respeito de sua inspiração divina.
Luria, como todo o verdadeiro estudante da sabedoria perene, não buscou mudar ou acrescentar nada à Kabbalah. Ele tomava a tradição, especialmente como ela era apresentada no antigo 'Zohar', como a moldura e guia para suas meditações profundamente intuitivas, e sua percepção interior e compreensão racional eram embasadas solidamente na disciplina diária da vida ética. Como todos os verdadeiros aprendizes, ele trouxe uma nova perspectiva para os assuntos sagrados que estudou. Embora a tendência de pensar sobre a origem divina do mundo em termos temporais como uma 'creatio ex nihilo' já houvesse afetado o pensamento Judeu, Luria entendia os primeiros versos do 'Gênesis' em seu sentido original: "Quando Deus (Elohim) começou a criar o céu e a terra, a terra era um vazio informe". A criação emergira da atividade divina na e sobre a matéria primordial. Para Luria a verdadeira questão era: de onde vinha esta matéria primordial? Se a Deidade é onipresente - uma mera expressão semelhante para Aquilo que não tem espaço e tempo - então onde haveria lugar para existir a matéria primordial? Antes do que imaginar o caos existindo em algum espaço fora da Deidade, Luria ensinava que a existência manifesta teve seu primeiro início etéreo na 'zimzum', contração.
Ain-Soph, o Infinito e Ilimitado, a Fonte Desconhecida e Incognoscível de todas as emanações e diferenciações, 'deus absconditus', não pode ser ligado à cadeia de emanações progressivas representadas na Árvore Sefirotal. Não é a primeira das causas: está além da causação e portanto alheio a todo relacionamento com qualquer coisa finita. Neste sentido, existe um hiato entre aquilo que é completamente não-manifesto e todas as formas de manifestação. Ain-Soph não pode emanar nada; nem há lugar para nada além de Ain-Soph. A primeira atividade que marca o começo da existência manifesta é 'zimzum', a contração, a retirada da Deidade de algum lugar, "a entrada de Deus em Si mesmo", uma limitação do Divino através da ocultação. Comparado com a Infinitude, o lugar de retirada é apenas um ponto, e este ponto é 'tehiru', o espaço primordial. A retirada do Divino deixa um espaço de resíduo ou aroma caótico, 'reshimu', a dimensão matérial do futuro universo. Este resíduo de Luz Absoluta é o substrato receptivo para a criação e o poder ordenador da emanação que se segue à contração, e em si mesmo é o espaço. Assim, tanto substrato como potência têm sua origem na Deidade Incognoscível. De Ain-Soph, que abrange o espaço, surge um Raio cujo foco suscita uma resposta de 'reshimu' sob forma de um vaso primordial que pode receber o Raio. Uma vez que o Raio vem como que de todos os lados, o vaso refrator é esférico, e uma vez que o Raio é uma 'medida cósmica' ascendente e descendente, conhecido como 'rahamin' (compaixão), o pulso universal é refletido em um vaso décuplo, os dez 'kelim' ou vasos dos Sephiroth. Tomados juntos, os Sephiroth constituem Adão Kadmon, o homem primordial, o elo entre Ain-Soph e o espaço puro ou 'zimzum'. Contração e expansão, regressão e progressão, 'histalkut' e 'hitpashtut', são o ritmo da evolução cósmica e a batida do coração de Adão Kadmon, o Homem Cósmico. Toda existência corporificada no universo tende para a esfera em sua forma e para o homem em suas potencialidades oviformes.
Metafisicamente, a origem do mal é encontrada na limitação do Absoluto representada pelo 'zimzum'. O ato ontológico e atemporal que permite a existência dos indivíduos é também a fonte do impulo evolutivo e da necessidade de escolher entre o bem e o mal. A vida ética - a vida da escolha consciente - é tão primordial e original como a própria existência. Não obstante, outros eventos ontológicos precedem a existência dos indivíduos concretos e das escolhas práticas. O Raio que entra em 'reshimu' inicia duas atividades encontradas na geometria Pitagórica do ponto: o movimento dinâmico que é descrito geometricamente como 'iggul ve-yosher', círculo e linha. O círculo é a forma natural da energia divina, e a linha é a atividade voluntária que procura criar um todo unificado. Muito parecido com uma mola de cobre que permanece inerte até que um ímã se mova sobre ela, criando uma corrente elétrica na mola, os Sephiroth esféricos são vivos por causa das linhas que os conectam em relações vivas. A Árvore das Luzes é o aspecto ativo das esferas concêntricas quiescentes de Adão Kadmon. As linhas da vontade elétrica dão uma alma ao Home Cósmico. Da cabeça de Adão Kadmon se irradiam tremendas luzes em padrões complexos, a língua pristina da Torah que é o reino dos arquétipos espirituais. Assim, os Sephiroth, quando entendidos voltados para sua Fonte derradeira, são cada um deles um Nome divino.
Esta coleção inicial de luzes foi chamada de 'olam ha-tohu', o mundo do caos, pois ela representa a limitação original de 'zimzum' sem a perfeição ordenada de toda a Árvore, uma vez que o movimento linear do Raio ainda não estabilizou as relações entre os Sephiroth. Cada luz é contida em um vaso de luminosidade mais densa derivado de 'reshimu'. À medida que a luz do Raio flui de Kether, o primeiro Sephira, para os outros Sephiroth, ocorre um desastre cósmico. A tríade superior de Sephiroth suportou a luz, mas as duas outras tríades se despedaçaram com a sua intensidade espiritual, e o Sephira mais baixo, Malkhuth, o reino astral, rompeu-se. Algumas das luzes caídas de imediato voltaram para sua fonte, mas algumas caíram junto com os vasos, e estes fragmentos materiais vivificados se tornaram os 'kelippoth', as cascas vampíricas e forças demoníacas de 'sitra ahar', a região das emanações tenebrosas. Ao passo que este desastre poderia parecer inexplícável, é o resultado necessário da natureza de 'zimzum' como limitação. De certa maneira, a restauração da Árvore das Luzes à sua forma perfeita é uma parte inerente do processo de evolução. A vida moral e espiritual dos seres humanos individuais é um aspecto integrante da urgência divina de manifestar um microcosmo que seja a imagem temporal perfeita da Deidade transcendente.
A história da emanação e evolução é a história de 'tikkun', a restauração de uma ordem intencional que jamais existiu no tempo. Tikkun, a redenção do mundo e de cada indivíduo dentro dele, é o cumprimento do impulso original da vontade inteligente e também é, assim, essencial à lógica de 'zimzum'. A luz fragmentada que emanou da cabeça de Adão Kadmon deve ser restaurada para o todo harmonioso que se manifesta como a comunidade universal dos seres justos. Esta luz quintessencial, que na consciência é a sabedoria espiritual, é o principal elemento em todas as tentativas de restauração. A tríade mais alta de Sephiroth - Kether (a coroa e semente das emanações), Hokhmah (sabedoria pura) e Binah (inteligência abstrata) - é o suporte para a restauração, uma vez que não foi afetada pelo desastre cósmico. Elas ligam as luzes desfiguradas como sendo a primeira fase de um processo alquímico de transmutação no qual a espessura da treva pode ser removida ao mesmo tempo que se preserva a luz espiritual embutida. A Árvore das Luzes se manifesta nesta forma intermediária como as cinco fisionomias ou "faces" de Adão Kadmon, correspondendo aos quatro mundos, desde o arquetípico até o material e ilusório. A primeira 'parzuf' ou face consiste de Kether como Arikh Anpin, a paciente, correspondendo ao mundo arquetípico Aziluth. As segunda e terceira 'parzufim' são Abba e Imma, pai e mãe, Hokhmah masculino e Binah feminina, consideradas do ponto de vista da restauração e correspondendo a Beriah, o mundo da potência criativa. De sua união surge a 'parzuf' Ze'eir Anpin, a impaciente, constituída pelos seis Sephiroth ou o mundo formativo que contém os seis poderes da Natureza no mundo de Yetzirah. O Sephira inferior, Malkhuth, se torna a 'parzuf' Nukha de-Ze'eir, o aspecto feminino receptivo da Natureza, correspondendo ao mundo material de Asiah, manifesto aos cinco sentidos.
As cinco 'faces' constituem o Adão Kadmon como o cosmo parcialmente restaurado que só a humanidade pode levar à completude. Esta descida a partir do Adão Kadmon pristino estabilizou o mundo com uma ordem e harmonia intermediárias que permitem a continuidade dos esforços alquímicos de restauração. É uma restauração externa; a tarefa do ser humano é a restauração interna. Desta forma, cada Sephira fica um degrau abaixo do que sua ordem natural. Assim, Malkuth, o reino astral, se manifesta à consciência como o mundo físico, uma ilusão. Para o ser humano, a 'tikkun' tem dois aspectos: cumprimento dos mandamentos e meditação mística. A vida pura pode ser estabelecida em termos dos 613 mandamentos ou injunções encontrados na Torah (O número é significativo, pois 6 se refere aos poderes da Natureza e 13 é um a menos do que 2 x 7, o número da perfeita unidade ascendente e descendente, enquanto que 6 + 1 + 3 = 10, o número Pitagórico da completude e perfeição cósmicas). Cada mandamento tem um sentido literal, alegórico e espiritual. Enquanto que cada ser humano contém mais ou menos da luz superna associada a uma das sete hierarquias ou raízes de luz, correspondendo aos sete vasos danificados, é impossível cumprir todos os mandamentos em uma vida comum. Assim, todos os seres humanos são envolvidos na 'gilgul', reencarnação, na qual cada alma progride para a 'tikkun' interna, a restauração através do aperfeiçoamento gradual, e as 'gilgulim' ou reencarnações tomadas em seu conjunto trabalham para a restauração do cosmos.
A prece é tornada eficaz através de 'kavvanah', a intenção mística, quando é uma meditação profunda sobre a natureza e sobre a necessidade por unidade cósmica. Ao mesmo tempo, é a reunião das forças da restauração, a subida da alma para sua Fonte divina através da contínua purificação e da continuidade da consciência espiritual, e a fonte da magia. A prece deveria sempre ser voltada para dentro e para cima, em direção ao Divino, de modo que não se torne uma tentativa degradada, embora poderosa, de tentar manipular o mundo. A prece, portanto, é um esforço espiritual de focalizar a vontade no todo, cujo 'afflatus' será a compaixão e a benevolência, assim como uma poderosa corrente elétrica que circula em uma espiral ascendente (combinando 'iggul ve-yosher,', círculo e linha) cria um campo magnético que tende a alinhar em torno de si mesmo entidades suscetíveis de magnetização. No processo de autotransformação, a pessoa une os Sephiroth em sua apropriada ordem elevada, contribuindo para a 'tikkun' do cosmo, e dissolvendo as 'parzufim' de modo que o Adão Kadmon pristino e primordial se manifeste na consciência, apontando para o sempre não-manifesto Ain-Soph. Porque a meditação baseada na autropurificação ética é uma força poderosa para o bem universal, sua sombra é igualmente poderosa. Daí que os 'dibbukim', os demônios obsessores da inversão e da magia negra, serão reais enquanto o cosmo não for uma harmonia perfeita. Entre os ensinamentos mais secretos de Luria estava a doutrina do 'ibbur', o ensinamento de que almas muito avançadas em encarnações que foram cheias de justiça poderiam desfrutar de experiências nos mais altos Sephiroth, de modo que não reeencarnariam completamente como indivíduos, mas antes iluminariam aqueles que reencarnam. Entretanto, esta doutrina desafiava tanto as concepções ordinárias sobre a individualidade que os discípulos de Luria não ousavam divulgá-la em sua inteireza.
Issac Luria recusou-se a deixar seus ensinamentos seminais por escrito. Quando seus discípulos solicitaram que o fizesse, ele respondeu: "É impossível, porque todas as coisas estão inter-relacionadas. Mal posso abrir minha boca para falar sem sentir como que o mar rompendo seus limites e inundando tudo. Como então eu expressaria o que minha alma recebeu, e como poderia colocá-lo em um livro?" A despeito de sua recusa em dar a seus ensinamentos um fórum público, a pureza de seu caráter e sua visão compassiva se tornaram conhecidos em todos os centros de estudo místico no Egito, Itália e Europa Central. Muitos de seus discípulos mais próximos se reuniram, depois de sua morte, em torno de Hayyim Vital, e Vital escreveu muitas das doutrinas que podiam ser reduzidas a palavras. Por fim, as idéias de Luria seguiram sua reputação, e durante dois séculos elas eletrizaram e transformaram a religião popular Judaica e afetaram profundamente os pensadores do fim da Renascença. Enquanto que suas instruções individuais sobre meditação não podiam ser transmitidas, uma vez que variavam de acordo com o caráter e temperamento de cada discípulo, o espírito de sua obra interior em prol da restauração é descoberto em uma leitura intuitiva de cada uma de suas preces litúrgicas, ainda em uso hoje em dia.
'Shulhan Aruk'
JACOB ZEMAH
O ano de 1492 é lembrado como o do início da grande era de explorações, uma queda das crostas dos olhos europeus e uma revelação das civilizações do leste, do sul e do 'novo mundo' além do oceano ocidental. A Renascença florira e frutificara na Itália, e começava a se mover para o norte, mas como ocorre com as grandes luzes, suas sombras foram escuras e profundas. Os Muçulmanos foram expulsos da Espanha e a Inquisição florescia. Assim como as maiores civilizações da América seriam brutalmente destruídas nesta nova época, também a cultura Islâmica representada pelo resplendente Alhambra seria erradicada. Os Judeus, que haviam prosperado e ascendido a posições de poder e proeminência sob o governo Islâmico, foram ameaçados e perseguidos. Em 1492 deu-se a todos os Judeus da Espanha quatro meses para deixarem o país, ou seriam executados. A conversão, uma opção inaceitável para a maioria, era igualmente inaceitável para a Inquisição, que processava indiscriminadamente Judeus marranos e verdadeiros conversos. O vasto êxodo resultante desta política implacável foi chamado de 'O Exílio', e teve seu efeito próprio e profundo no mundo mediterrâneo. Alguns do exilados perambularam pela Europa Central e alguns acabaram parando na Itália e Grécia, mas um grande número fugiu para o norte da África e o Oriente Médio.
O conhecimento Muçulmano havia brilhado no sul da Espanha, onde seus dinâmicos movimentos Sufi haviam construído um pano de fundo para o ressurgimento dos ensinamentos Kabbalísticos. Lá o 'Zohar' havia se tornado amplamente conhecido, e centros de estudo Kabbalístico desenvolveram penetrantes doutrinas filosóficas e sofisticadas técnicas de meditação, ambas enraizadas no princípio de que a percepção interior é cultivada por uma vida ética purificadora. Como a destruição do Segundo Templo pelos romanos, em 70 dC, levou à disseminação da Kabbalah através da Diáspora, do mesmo modo o Exílio de 1492 estimulou a criação de novos centros de aprendizado Kabbalístico e levou à sua difusão no Judaísmo popular da Europa. Fez, no Marrocos, se tornou um destes centros, onde o pensamento Sufi há muito havia encontrado um porto. O Egito e a Turquia também forneceram lugares para a contemplação mística, mas o principal centro estava localizado na antiga Galiléia, a terra natal de Jesus, na cidade de Safed. Safed era o local tradicional do túmulo de Simeão ben Jochai, o Instrutor que primeiro ordenara que partes da Kabbalah deviam ser postas por escrito, depois da destruição do SegundoTemplo.
Joseph Karo, nascido em Toledo, foi levado por sua família para Constantinopla, durante o Exílio. Renomado erudito Talmudista e pensador jurídico, suas intensas meditações privadas levaram-no em 1536 a Safed. Lá ele se tornou 'rabbi'-chefe e cultivou um grupo de jovens Kabbalistas, métodos de meditação e doutrinas sobre a imortalidade e reencarnação que foram comparadas ao Yoga hindu e às filosofias Budistas tibetanas. Moisés Cordovero, cuja primeira parte de sua vida é desconhecida pela história, estabeleceu-se em Safed e estudou com Karo. Com a idade de vinte e seis anos ele já havia composto o 'Pardes Rimmonim' ('Pomar de Romãs'), que delineava treze caminhos para estados transcendentais de consciência. Ele sustentava que a incessante troca de energias entre os Sephiroth fornece uma chave para o entendimento do ser humano e de sua relação com a Natureza visível e invisível. Como membro do grupo conhecido como Chaverim - Associados - ele compilou uma lista de preceitos pelos quais ele e seus companheiros procuravam viver. Estes princípios eram Pitagóricos em sua natureza e incluíam o voto de jamais ser forçado à raiva, de evitar comida em excesso, de falar a verdade, de aceitar sem agitação tanto a dor como o deleite, e de rever os pensamentos e ações próprios antes de cada refeição e antes de se retirarem para dormir. Assim, em Safed formou-se um vórtice místico em torno da memória de Simeão ben Jochai, iluminado pela luz numinosa do 'Zohar', e reunindo aqueles que viam que o fim só poderia ser encontrado no início, e que percebiam na turbulência do Exílio um símbolo da alienação de toda alma humana de sua fonte transcendental. Isaac Luria entrou neste vórtice e se tornou seu foco fulgurante em sua própria época e nos séculos que viriam depois.
Isaac Luria, que veio a ser chamado de Ha-Ari, 'o Leão', a partir das iniciais de Ha-Elohi Rabbi Yizhak, 'o divino Rabbi Isaac', nasceu em Jerusalém em 1534. A família de seu pai era de emigrantes Ashkenazi vindos da Alemanha, e sua mãe pertencia à família Sefardita Frances, talvez exilados na expulsão espanhola de 1492. Lendas obscurecem sua vida inicial, sugerindo que com sete anos ele tenha ido para do Egitrto com sua mãe, logo depois da morte de seu pai. Ele mais tarde atestou, contudo, que havia estudado a Kabbalah com o Kabbalista polonês Kalonymus, em Jerusalém. A história verifica que ele estudou no Egito com Davi ben Salomon ibn Abi Zimra, e com seu sucessor Bezalel Ashkenazi, ambos mestres do 'halakha', o sistema legal ortodoxo. Ele conquistou uma sólida reputação no estudo da lei e da literatura rabínica, e pelo menos um de seus pareceres 'halakha' sobrevive até hoje. O Genizha no Cairo contém documentos que mostram que ele era comerciante, uma atividade que manteve em Safed, onde ele colocou seus negócios em ordem apenas três dias antes de morrer. Enquanto ganhava reconhecimento público como participante ortodoxo na comunidade, ele estudava assiduamente os mistérios da Kabbalah. Antes de se mudar para Safed ele escreveu um breve tratado sobre o 'Livro da Ocultação', uma seção fundamental do 'Zohar', mas nada neste comentário sugere as concepções extraordinárias que mais tarde ele haveria de transmitir aos seus discípulos.
Em 1570 Isaac Luria estabeleceu-se em Safed com sua família, onde ele foi reconhecido como um exímio estudante e professor da Kabbalah, incluindo suas rigorosas práticas meditativas. Ele já entendera que a Kabbalah, quando aplicada aos estados de consciência, conduz a poderes extraordinários, e advertiu seus seguidores para que evitassem toda fascinação com práticas mágicas ambíguas através da adesão à busca desinteressada de sabedoria espiritual. Ele estudou com Moisés Cordovero pouco antes da morte deste no outono de 1570. Cordovero teve a oportunidade de ler alguns livros de Luria antes de morrer, e não havia dúvidas de que, a despeito do curto período que estava em Safed, Luria seria o sucessor de Cordovero. Reuniram-se discípulos em um círculo esotérico em torno de Luria, muitos dos quais haviam estudado com Cordovero. Enquanto sua fama por sua sabedoria 'halakha' e pureza de conduta pessoal haviam se espalhado tão longe como no Egito e Europa, ele mantinha seus ensinamentos sobre a Kabbalah completamente ocultos. Construindo aposentos especiais para eles e suas famílias, este grupo muito íntimo se ocupava de estudos intensivos, trabalho comunal e meditação individual, todos guiados por Luria. Quando ele morreu em 1572, com a idade de trinta e oito anos, menos de três anos depois de chegar a Safed, ele já havia deixado uma marca indelével na Kabbalah e uma poderosa convicção entre seus seguidores a respeito de sua inspiração divina.
Luria, como todo o verdadeiro estudante da sabedoria perene, não buscou mudar ou acrescentar nada à Kabbalah. Ele tomava a tradição, especialmente como ela era apresentada no antigo 'Zohar', como a moldura e guia para suas meditações profundamente intuitivas, e sua percepção interior e compreensão racional eram embasadas solidamente na disciplina diária da vida ética. Como todos os verdadeiros aprendizes, ele trouxe uma nova perspectiva para os assuntos sagrados que estudou. Embora a tendência de pensar sobre a origem divina do mundo em termos temporais como uma 'creatio ex nihilo' já houvesse afetado o pensamento Judeu, Luria entendia os primeiros versos do 'Gênesis' em seu sentido original: "Quando Deus (Elohim) começou a criar o céu e a terra, a terra era um vazio informe". A criação emergira da atividade divina na e sobre a matéria primordial. Para Luria a verdadeira questão era: de onde vinha esta matéria primordial? Se a Deidade é onipresente - uma mera expressão semelhante para Aquilo que não tem espaço e tempo - então onde haveria lugar para existir a matéria primordial? Antes do que imaginar o caos existindo em algum espaço fora da Deidade, Luria ensinava que a existência manifesta teve seu primeiro início etéreo na 'zimzum', contração.
Ain-Soph, o Infinito e Ilimitado, a Fonte Desconhecida e Incognoscível de todas as emanações e diferenciações, 'deus absconditus', não pode ser ligado à cadeia de emanações progressivas representadas na Árvore Sefirotal. Não é a primeira das causas: está além da causação e portanto alheio a todo relacionamento com qualquer coisa finita. Neste sentido, existe um hiato entre aquilo que é completamente não-manifesto e todas as formas de manifestação. Ain-Soph não pode emanar nada; nem há lugar para nada além de Ain-Soph. A primeira atividade que marca o começo da existência manifesta é 'zimzum', a contração, a retirada da Deidade de algum lugar, "a entrada de Deus em Si mesmo", uma limitação do Divino através da ocultação. Comparado com a Infinitude, o lugar de retirada é apenas um ponto, e este ponto é 'tehiru', o espaço primordial. A retirada do Divino deixa um espaço de resíduo ou aroma caótico, 'reshimu', a dimensão matérial do futuro universo. Este resíduo de Luz Absoluta é o substrato receptivo para a criação e o poder ordenador da emanação que se segue à contração, e em si mesmo é o espaço. Assim, tanto substrato como potência têm sua origem na Deidade Incognoscível. De Ain-Soph, que abrange o espaço, surge um Raio cujo foco suscita uma resposta de 'reshimu' sob forma de um vaso primordial que pode receber o Raio. Uma vez que o Raio vem como que de todos os lados, o vaso refrator é esférico, e uma vez que o Raio é uma 'medida cósmica' ascendente e descendente, conhecido como 'rahamin' (compaixão), o pulso universal é refletido em um vaso décuplo, os dez 'kelim' ou vasos dos Sephiroth. Tomados juntos, os Sephiroth constituem Adão Kadmon, o homem primordial, o elo entre Ain-Soph e o espaço puro ou 'zimzum'. Contração e expansão, regressão e progressão, 'histalkut' e 'hitpashtut', são o ritmo da evolução cósmica e a batida do coração de Adão Kadmon, o Homem Cósmico. Toda existência corporificada no universo tende para a esfera em sua forma e para o homem em suas potencialidades oviformes.
Metafisicamente, a origem do mal é encontrada na limitação do Absoluto representada pelo 'zimzum'. O ato ontológico e atemporal que permite a existência dos indivíduos é também a fonte do impulo evolutivo e da necessidade de escolher entre o bem e o mal. A vida ética - a vida da escolha consciente - é tão primordial e original como a própria existência. Não obstante, outros eventos ontológicos precedem a existência dos indivíduos concretos e das escolhas práticas. O Raio que entra em 'reshimu' inicia duas atividades encontradas na geometria Pitagórica do ponto: o movimento dinâmico que é descrito geometricamente como 'iggul ve-yosher', círculo e linha. O círculo é a forma natural da energia divina, e a linha é a atividade voluntária que procura criar um todo unificado. Muito parecido com uma mola de cobre que permanece inerte até que um ímã se mova sobre ela, criando uma corrente elétrica na mola, os Sephiroth esféricos são vivos por causa das linhas que os conectam em relações vivas. A Árvore das Luzes é o aspecto ativo das esferas concêntricas quiescentes de Adão Kadmon. As linhas da vontade elétrica dão uma alma ao Home Cósmico. Da cabeça de Adão Kadmon se irradiam tremendas luzes em padrões complexos, a língua pristina da Torah que é o reino dos arquétipos espirituais. Assim, os Sephiroth, quando entendidos voltados para sua Fonte derradeira, são cada um deles um Nome divino.
Esta coleção inicial de luzes foi chamada de 'olam ha-tohu', o mundo do caos, pois ela representa a limitação original de 'zimzum' sem a perfeição ordenada de toda a Árvore, uma vez que o movimento linear do Raio ainda não estabilizou as relações entre os Sephiroth. Cada luz é contida em um vaso de luminosidade mais densa derivado de 'reshimu'. À medida que a luz do Raio flui de Kether, o primeiro Sephira, para os outros Sephiroth, ocorre um desastre cósmico. A tríade superior de Sephiroth suportou a luz, mas as duas outras tríades se despedaçaram com a sua intensidade espiritual, e o Sephira mais baixo, Malkhuth, o reino astral, rompeu-se. Algumas das luzes caídas de imediato voltaram para sua fonte, mas algumas caíram junto com os vasos, e estes fragmentos materiais vivificados se tornaram os 'kelippoth', as cascas vampíricas e forças demoníacas de 'sitra ahar', a região das emanações tenebrosas. Ao passo que este desastre poderia parecer inexplícável, é o resultado necessário da natureza de 'zimzum' como limitação. De certa maneira, a restauração da Árvore das Luzes à sua forma perfeita é uma parte inerente do processo de evolução. A vida moral e espiritual dos seres humanos individuais é um aspecto integrante da urgência divina de manifestar um microcosmo que seja a imagem temporal perfeita da Deidade transcendente.
A história da emanação e evolução é a história de 'tikkun', a restauração de uma ordem intencional que jamais existiu no tempo. Tikkun, a redenção do mundo e de cada indivíduo dentro dele, é o cumprimento do impulso original da vontade inteligente e também é, assim, essencial à lógica de 'zimzum'. A luz fragmentada que emanou da cabeça de Adão Kadmon deve ser restaurada para o todo harmonioso que se manifesta como a comunidade universal dos seres justos. Esta luz quintessencial, que na consciência é a sabedoria espiritual, é o principal elemento em todas as tentativas de restauração. A tríade mais alta de Sephiroth - Kether (a coroa e semente das emanações), Hokhmah (sabedoria pura) e Binah (inteligência abstrata) - é o suporte para a restauração, uma vez que não foi afetada pelo desastre cósmico. Elas ligam as luzes desfiguradas como sendo a primeira fase de um processo alquímico de transmutação no qual a espessura da treva pode ser removida ao mesmo tempo que se preserva a luz espiritual embutida. A Árvore das Luzes se manifesta nesta forma intermediária como as cinco fisionomias ou "faces" de Adão Kadmon, correspondendo aos quatro mundos, desde o arquetípico até o material e ilusório. A primeira 'parzuf' ou face consiste de Kether como Arikh Anpin, a paciente, correspondendo ao mundo arquetípico Aziluth. As segunda e terceira 'parzufim' são Abba e Imma, pai e mãe, Hokhmah masculino e Binah feminina, consideradas do ponto de vista da restauração e correspondendo a Beriah, o mundo da potência criativa. De sua união surge a 'parzuf' Ze'eir Anpin, a impaciente, constituída pelos seis Sephiroth ou o mundo formativo que contém os seis poderes da Natureza no mundo de Yetzirah. O Sephira inferior, Malkhuth, se torna a 'parzuf' Nukha de-Ze'eir, o aspecto feminino receptivo da Natureza, correspondendo ao mundo material de Asiah, manifesto aos cinco sentidos.
As cinco 'faces' constituem o Adão Kadmon como o cosmo parcialmente restaurado que só a humanidade pode levar à completude. Esta descida a partir do Adão Kadmon pristino estabilizou o mundo com uma ordem e harmonia intermediárias que permitem a continuidade dos esforços alquímicos de restauração. É uma restauração externa; a tarefa do ser humano é a restauração interna. Desta forma, cada Sephira fica um degrau abaixo do que sua ordem natural. Assim, Malkuth, o reino astral, se manifesta à consciência como o mundo físico, uma ilusão. Para o ser humano, a 'tikkun' tem dois aspectos: cumprimento dos mandamentos e meditação mística. A vida pura pode ser estabelecida em termos dos 613 mandamentos ou injunções encontrados na Torah (O número é significativo, pois 6 se refere aos poderes da Natureza e 13 é um a menos do que 2 x 7, o número da perfeita unidade ascendente e descendente, enquanto que 6 + 1 + 3 = 10, o número Pitagórico da completude e perfeição cósmicas). Cada mandamento tem um sentido literal, alegórico e espiritual. Enquanto que cada ser humano contém mais ou menos da luz superna associada a uma das sete hierarquias ou raízes de luz, correspondendo aos sete vasos danificados, é impossível cumprir todos os mandamentos em uma vida comum. Assim, todos os seres humanos são envolvidos na 'gilgul', reencarnação, na qual cada alma progride para a 'tikkun' interna, a restauração através do aperfeiçoamento gradual, e as 'gilgulim' ou reencarnações tomadas em seu conjunto trabalham para a restauração do cosmos.
A prece é tornada eficaz através de 'kavvanah', a intenção mística, quando é uma meditação profunda sobre a natureza e sobre a necessidade por unidade cósmica. Ao mesmo tempo, é a reunião das forças da restauração, a subida da alma para sua Fonte divina através da contínua purificação e da continuidade da consciência espiritual, e a fonte da magia. A prece deveria sempre ser voltada para dentro e para cima, em direção ao Divino, de modo que não se torne uma tentativa degradada, embora poderosa, de tentar manipular o mundo. A prece, portanto, é um esforço espiritual de focalizar a vontade no todo, cujo 'afflatus' será a compaixão e a benevolência, assim como uma poderosa corrente elétrica que circula em uma espiral ascendente (combinando 'iggul ve-yosher,', círculo e linha) cria um campo magnético que tende a alinhar em torno de si mesmo entidades suscetíveis de magnetização. No processo de autotransformação, a pessoa une os Sephiroth em sua apropriada ordem elevada, contribuindo para a 'tikkun' do cosmo, e dissolvendo as 'parzufim' de modo que o Adão Kadmon pristino e primordial se manifeste na consciência, apontando para o sempre não-manifesto Ain-Soph. Porque a meditação baseada na autropurificação ética é uma força poderosa para o bem universal, sua sombra é igualmente poderosa. Daí que os 'dibbukim', os demônios obsessores da inversão e da magia negra, serão reais enquanto o cosmo não for uma harmonia perfeita. Entre os ensinamentos mais secretos de Luria estava a doutrina do 'ibbur', o ensinamento de que almas muito avançadas em encarnações que foram cheias de justiça poderiam desfrutar de experiências nos mais altos Sephiroth, de modo que não reeencarnariam completamente como indivíduos, mas antes iluminariam aqueles que reencarnam. Entretanto, esta doutrina desafiava tanto as concepções ordinárias sobre a individualidade que os discípulos de Luria não ousavam divulgá-la em sua inteireza.
Issac Luria recusou-se a deixar seus ensinamentos seminais por escrito. Quando seus discípulos solicitaram que o fizesse, ele respondeu: "É impossível, porque todas as coisas estão inter-relacionadas. Mal posso abrir minha boca para falar sem sentir como que o mar rompendo seus limites e inundando tudo. Como então eu expressaria o que minha alma recebeu, e como poderia colocá-lo em um livro?" A despeito de sua recusa em dar a seus ensinamentos um fórum público, a pureza de seu caráter e sua visão compassiva se tornaram conhecidos em todos os centros de estudo místico no Egito, Itália e Europa Central. Muitos de seus discípulos mais próximos se reuniram, depois de sua morte, em torno de Hayyim Vital, e Vital escreveu muitas das doutrinas que podiam ser reduzidas a palavras. Por fim, as idéias de Luria seguiram sua reputação, e durante dois séculos elas eletrizaram e transformaram a religião popular Judaica e afetaram profundamente os pensadores do fim da Renascença. Enquanto que suas instruções individuais sobre meditação não podiam ser transmitidas, uma vez que variavam de acordo com o caráter e temperamento de cada discípulo, o espírito de sua obra interior em prol da restauração é descoberto em uma leitura intuitiva de cada uma de suas preces litúrgicas, ainda em uso hoje em dia.
"Com tua compaixão multiforme,
unifica meu coração,
e o coração de todo teu povo
para que amem e venerem teu Nome.
"E ilumina nossos olhos
na luz de tua Torah,
pois em ti está a fonte da vida:
em tua luz nós veremos a luz".
unifica meu coração,
e o coração de todo teu povo
para que amem e venerem teu Nome.
"E ilumina nossos olhos
na luz de tua Torah,
pois em ti está a fonte da vida:
em tua luz nós veremos a luz".
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